Agora, quando todos os instantes podem ser adjetivados
como derradeiros, numa linha de tempo intermitente de felicidades fortuitas que
une o nascimento ao túmulo, tudo o que digo é que quando escrevia havia na
minha mente o gosto por entender a questão da conexão da linguagem com a
psique. É claro, caro leitor, que existe este aparte entre psique e matéria,
não se discute. É claro que existe a distinção entre os acontecimentos e como o interpretamos. Fatos sempre rolaram pelos precipícios imaginativos que abismavam
meus desejos das realizações. Por conseguinte, encovadas no fundo deste
despenhadeiro da esperança, as frustrações gritam seu desespero. Lamúrias e
queixumes de um velho apiedado, traduzidos por simples palavras. Obviamente
coloquiais, porque descrevem de forma simples e solta a falta de estruturação
de uma vida. Seus significados navegam pelo oceano da idade sem vínculos
precisos um com os outros. São apenas traduções de momentos, amontoados no
esquecimento daqueles que me conheceram, amealhados pelo destino e apenas vívidos na
memória deste aqui que ora apenas diz.
Além disto, palavras, ou a escolha delas, permitem ao
interlocutor atento ouvir o que está atrás da porta do corpo físico. Permitem
sentir parcialmente os traumas de quem narra, a dor de fatos corriqueiros que
nada representariam caso a entonação não denunciasse algo mais. Proveem o que
falta à visão para transtornar nossa percepção com uma obliquidade alheia. Para
descaracterizar todos nossos modelos e arquétipos, por mais precisos que estes
sejam, independentes de quanta meditação a mente necessitou para ordenar a
compreensão. O tom, os trejeitos, aquela ligeira rouquidão das vozes arrastadas pela garganta, roubadas do íntimo em que se apegaram e se trancafiaram, nos revelam pelo avesso.
Esse exercício de ouvir é o que dificilmente se pratica
nos nossos dias, permeados de urgências e barreiras psicológicas. Todavia, sei
que é necessária uma harmonia entre ouvi-la e senti-la. Pois, se houver uma
conspiração deste destino que cá me largou, um dia posso saborear as tuas
palavras pela fome da minha sensibilidade, ávida em percorrê-la pelas entranhas
onde a menina se escondeu. Neste futuro ainda muito incerto, gostaria de dar a
mão para esta menina, abraçá-la e dizer que os sonhos não foram perdidos,
apenas se espalharam. Poderíamos assim recuperar alguns. Quem sabe se não forem
os mais importantes? Quem sabe se não serão aqueles que cessarão a tua busca,
desprovida das lágrimas congeladas pelo passado? Mas há pouco tempo para isto.