quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Piazza Navona


Lá embaixo, o largo turbilhona-se em pessoas e afazeres estranhos. Umas pintam, outras olham, muitas passam indiferentes, de mãos dadas ou sozinhas. Risadas exageradas se escondem do frio nos bares perfilados que margeiam, envolvem e empurram as pessoas para o centro da praça. Luzes amareladas tornam as pinturas mais dramáticas e douram as estátuas clássicas, que descansam eternamente nas duas pontas da Piazza Navona. E cá estou eu, em frente a uma obscura janela, dentro de um minúsculo e anônimo cômodo, localizado no segundo andar de um dos muitos sobrados que tudo amuralham. Alheado de todos, numa espécie de testemunha insignificante da cena, ofego um pouco após subir um grande lance de escada. Para a bela ragazza que me convidou, devo engolir a evidência do meu cansaço e esconder a debilidade do meu corpo.

-  Vuoi qualcosa da bere?

Creio que ela percebeu minha inquietude, já que seus grandes olhos castanhos me encaram sem erguer a cabeça, como se olhassem para cima numa falsa impressão de fragilidade. Além do econômico e cortês sorriso que enfeita a pergunta. Elegante jeito com a pretensão de me deixar a vontade.

- Un bicchiere d'acqua, si prega.

Enquanto ela caminhou para buscar a água, pude perceber mais atentamente o cômodo. Nada tão diferente daqueles pelos quais passei na cidade velha. Móveis clássicos, corredores estreitos, papéis de parede acastanhados e um tanto desgastados. Sempre aquela velha mobília prensada em pequenos apartamentos, com janelas econômicas de luzes a escurecer tudo. Eram tantos detalhes, mas eu não estava com ânimo de vasculhar as histórias de cada peça. Fiz isto nos primeiros anos da Itália e confesso que estou cansado. São sempre parecidas: uma estátua de resina copiada do Degas, um abajur de bronze comprado num antiquário de Troyes e assim por diante. Preferi prestar atenção nas fotografias em preto e branco presas numa das paredes, que se penduravam numa forma harmônica e geométrica. Não conhecia a maioria das pessoas que lá estavam; umas poucas pareciam com alguns amigos da faculdade, outras me pareciam muito antigas, denunciadas pelas silhuetas imprecisas e tons de sépia . Parei a atenção numa estranha fotografia, que tinha um jacaré erguido entre ela e um senhor mais idoso. O claro da barriga do bicho contrastava com uma espécie de beirada de lago ou rio. Quando aproximei o meu rosto para observar mais detalhes, ela chegou com a água. Meio sem jeito pelo flagrante, perguntei apontando o indicador para a garota da foto:

- sei tu?

- No! È mia bisnonna.  Ela respondeu com um ar de severidade, quase que chateada, pelo que supus dos vincos na sua testa. E é claro que havia apreensão! A foto era tão velha que eu me perguntei como eu pude fazer uma alusão tão idiota? Obviamente, naquele instante eu estava ligeiramente constrangido e acredito que ela percebeu isto na minha face, pois me presenteou com um belo sorriso e explicou que a foto era de uma expedição na África de Giuseppe De Reali, que aconteceu em 1929. Quando terminou, permaneceu com o sorriso adornando seu rosto. Segundos, minutos ou séculos se passaram com aquela imagem até que ela se lançou num ligeiro salto para me abraçar e me beijar. As peças de roupa começaram a abandonar os corpos de uma maneira frenética. Meu blazer, o suéter dela. Em passos descompassados comecei a empurrá-la para a porta que parecia ser do quarto.  Meu sapato, a sandália dela. As mãos arrancavam tudo. Minha camisa, a camiseta dela. Ela estava sem sutiã e, quando comecei a olhar seus seios, encostamos na cama. Ela se deitou com a perna para fora e eu embasbaquei.

Aquele quarto era um verdadeiro santuário, nunca vira tantas estátuas de santos antes na minha vida. Pelos menos tão juntas assim. Tinha de todos os tamanhos e materiais. Cerâmica, madeira, bronze. Era um verdadeiro mausoléu de imagens de pessoas mortas. Imagino que o meu queixo estava caído quando o lencinho que estava no punho dela atingiu o meu rosto. Ela estava na cama, branquinha, emoldurada pelo amassado da colcha. O sorriso agora era malicioso, com um ligeiro mordiscar de língua e um olhar penetrante, que fitava o meu peito. Pus as minhas mãos nos seus quadris e puxei a calça para fora das pernas. Aproveitei para segurar a calcinha e as meias para também arrancá-las. Joguei a calça para o lado com força e ela atingiu um dos santos, o derrubou e arrancou sua cabeça, afastando-a poucos centímetros do corpo. Vi rapidamente a cena do falecido, porque a calça logo caiu e serviu de manto para o decapitado. Novamente pasmei! Matei o santo.

Ao que parece, ela não percebeu. Sentou-se na beirada da cama e começou a tirar o meu cinto, desceu a braguilha e o buscou enfurnado na cueca.  Engoliu-o de uma forma espremida e molhada. De início, foi apenas carinhoso porque ele não estava de uma forma adequada, teso por assim dizer. Também, com toda aquela gente me olhando, parecia que eu estava no meio da torcida do Roma, numa final no Estádio Olímpico. Os olhares serenos, a criança no colo do Santo Antônio, aquelas túnicas ascéticas não combinavam com uma presunção de depravação.  Mas vamos lá, creio que rezei calado para que todos me perdoassem e eu acreditei que era o certo a se fazer, por menor que fosse a minha fé.

- Congregação de santos, escutai minha prece. Rogo que passeiem pelos belos campos dos céus para que eu possa comer esta bela italianinha.

Parece que deu certo, pois algo intumesceu no meu ventre e já sentia aquela boca quente se mexer com vigor pela extensão do meu prazer. Ela pôs as mãos nas minhas nádegas, cravou suas unhas e afundou sua face com vigor.

- hummmmm – gemi intensamente.

Não tive dúvidas em retribuir. Peguei o seu corpinho e a arrastei para o meio da cama. Abri as suas pernas e dirigi minha boca para aquela vagina, com seus lábios rosáceos e molhados. Mas eu me esqueci da medalhinha de São Francisco que trazia no pescoço. Acabara de comprar no Vaticano numa espécie de redenção da fé, numa das milhares que fiz na minha vida. No instante que eu me aproximei, a figura do meu santo se alojou sobre o clitóris dela, com uma expressão mansa e humilde.

Nada mais aconteceu naquela noite. Mal me lembro por quais ruelas eu passei. De qualquer maneira, são todas iguais mesmo. Lembro apenas do Panteão que, se estivesse aberto, rezaria uma espécie de reclamação por terem estragado aqueles momentos com um conluio tão grande vindo das profundezas do Céu.

Profundezas?

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