Então, onde está a poesia?
Passei a minha infância na cidade de São Paulo. Mais precisamente na zona leste, no meio da multidão corintiana, das ruas sem árvores, de construções abandonadas onde eu empinava pipa. Nunca fui um craque – bem longe disto – mas insistia no futebol de salão na quadra da Escola Joly, bem no meio da Rua Serra de Botucatu. Aprendi a andar de bicicleta nas vias fechadas em frente às delegacias, bem no meio da revolta estudantil de 1968 quando coquetéis molotov singravam por cima das armas da polícia política para estourarem nas fachadas. Eu não sabia disto, nem aquelas crianças que me acompanhavam nas noites alegradas por aqueles lugares presenteados, no meio de prédios decaídos, estes sim ladrões de espaços. O ano terminou (ou não, conforme algumas opiniões) com o Ato Institucional nº 5. E tudo ficou negro na sociedade brasileira, embora eu pense que clareou a nossa arte.
Naquela época, as baladas dos Beatles já tinham se transformado em músicas com letras um pouco mais elaboradas, como a da longa e sinuosa estrada que leva até a sua porta. Além disso, se iniciava o processo de criação política, com as músicas de protesto que deixariam um legado de canções de alta qualidade poética, com as dos álbuns “Nos Dias de Hoje” de Ivan Lins e ”Construção” do Chico Buarque, além da beleza romântica do Vinícius de Moraes e da magnitude estética de um Tom Jobim e tantos outros. Isto me lembra de que em 1974 apareceu a versão definitiva de Águas de Março, do Tom. É extasiante pensar que uma simples obra de uma casa em Angra dos Reis virasse uma poesia musicada em mais de 50 interpretações pelo mundo. Tive o prazer de conhecer o garçom do Garota de Ipanema que forneceu o papel para o Tom escrevê-la (na realidade era aquele papel grosso que envolvia vários maços de cigarro). Pena que alguns poucos anos foram suficientes para que eu perdesse o nome dele na minha memória.
Mas, onde está a poesia?
Será que a minha geração migrou a atenção para o vigor e profundidade dos livros, abandonando assim os ritmos que, no fundo, limitariam as alternativas poéticas? De fato, conheci Maiakovski muito cedo, como cedo também me envolvi com a poesia do Drummond e recuperei as de Fernando Pessoa, um best seller obrigatório da minha adolescência. Passei rapidamente para histórias maravilhosas. Ítalo Calvino, Graciliano Ramos, Philip Roth. Mais recentemente Julian Fuks e Jennifer Egan. Música era algo vinculado aos gritos juvenis, àquela vontade de ritmar as batidas do coração com o que se enxerga no mundo. Livros são os verdadeiros alimentos da mente, que incitam a inteligência e nos permitem vagar por imaginações alheias, ao conhecer a dimensão da alma humana com os instrumentos do processo de amadurecimento. Entretanto, se somente isto explicasse o processo, todos os meus contemporâneos teriam cursado psicologia. A arte nos movimenta porque reflete o que sentimos. E o que sentimos é reflexo do mundo onde estamos imersos, da significação dos símbolos e da complexidade do viver numa sociedade que precisa constantemente ajustar a valoração dos princípios morais e éticos.
Porém, onde está a poesia?
(continua)