Foto tirada pelo autor no Museu de Belas Artes de Dijon
Eu conheço um pouco o trabalho do Jung e a questão da sincronicidade. Creio que o li na década de 80 e o que me vem à mente é um trabalho estatístico rigoroso, que comprova que fatos coincidentes acontecem de forma contumaz na vida de uma pessoa. Porém, o importante é entender a significação destes na dimensão psíquica do ser. Algo assim! E, juntamente com este raciocínio, também ressurge a questão da deificação de uma pessoa ordinária (no sentido de ser conforme aos costumes) que atravessa algum momento das nossas vidas e planta a semente da benevolência nas nossas intenções. Coincidência ou um anjo? Previamente, é importante lembrar que um anjo caído tem o mesmo poder de argumentação de um anjo que se mantém no plano divino e a benquerença pode ser uma estratégia para objetivos não tão nobres. A questão de discernir entre eles passa pela constatação se há cobiça nas suas intenções. Parece que às vezes vemos ou sentimos um anjo porque alguém atravessa alguns pensamentos e mostra harmonia com o que estes simbolizavam no próprio íntimo. Ocorre que não se conhece a pessoa que proferiu aquelas vozes ou escreveu aquelas palavras, nem como as palavras chegaram à sua boca ou teclado. Não se conhece suas vicissitudes e realizações. Nada além das linhas ou sons corroboram para a classificação endeusada, porque o que está feito mexe apenas com uma parcela de quem cada um é. Ademais, eu tenho ciência de que isto não é suficiente para alguém se sentir anuído com os seus próprios sonhos. O mundo se estende além das telas de computadores ou de conversas casuais, nas quais seja possível ler amiúde os pensamentos alheios, por vezes repetitivos para que haja a formação de uma ligação de influência, por vezes inéditos. Ele está no cotidiano das pessoas com quem se convive, nos membros da família, nos objetos e mementos, dentro das casas, na solidão dos quartos. Todos estes ambientes e pessoas formam o universo de cada um, com suas significações e prioridades. Um anjo pode cair. O que fascina pode ser ojerizado. Tudo dependerá do que construírmos como futuro, do que daquele momento de reflexão para frente será significante para a tomada de decisões. Se há uma boa vontade, ou há abnegação a tornar seu coração o influenciador das escolhas, provavelmente se viverá num futuro melhor, porque é do princípio existencial das pessoas de bem fazer e receber o ... bem.
E sobre as decisões, muito tempo pode ter se passado desde aquele momento em que alguém decidiu se encontrar para possibilitar a existência do amor, mas ainda não o encontrou. É importante notar que está escrito “um reencontro consigo mesmo”. Por que isto é importante? Quanto mais nos conhecemos, mais somos capazes de entender o que queremos, o que inclui as questões do coração. Indecisões são navalhas que cortam nosso futuro. Por outro lado, não existem certezas, apenas um conjunto de convicções a respeito do que nos machuca (principalmente) e do que nos arremete para um limbo quase extático, enlevado. Conheci pessoas maravilhosas que se desencantaram comigo. Conheci pessoas maravilhosas que me desencantaram. Mas as histórias de vida distintas, ambições e desejos nos fazem refletir que, no fundo, existem muitas semelhanças entre as almas que estão empenhadas em encontrar uma companhia. Mas esta é uma tarefa difícil, que se assemelha à busca insana da felicidade, por ser vizinha de intenção. Esta é uma tarefa frustrante quando os dias e as pessoas passam sem ficarem perenes na lembrança. Talvez não seja a hora, ou talvez nosso poder de sedução não seja o meio adequado para o que pode ser caracterizado como uma busca da alma gêmea. E eu me questiono agora sobre a possibilidade de existir uma alma tão afim que eu possa alcunhar como gêmea. O certo não seria gostar das diferenças? Não seria perceber que nelas é que cresceremos com indivíduos e amantes? Sempre repito a frase sobre quem ama, ama até o feio. Ama o que lhe é inconveniente. E se diverte com isto porque compreende que, acima de todas as coisas, está a capacidade e o presente divino do amar. Não falo no substantivo amor porque acredito que o verbo amar é o mais correto. É o exercício da vida, a ação de tornar significante nossa jornada até os derradeiros dias. Os encontros serão consequência das atitudes.
Neste contexto, anjo será aquela pessoa que alguém irá amar.