sexta-feira, 11 de julho de 2014

Pirâmides

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pyramids_of_Geezeh.jpg

A primeira pergunta que aqueles já introduzidos nas áreas de química, física ou engenharia é: por que se utilizaria o arseneto de gálio se o silício é tão abundante no planeta? De fato, o arseneto de gálio é mais quebradiço, mais caro e mais difícil de obter. Porém, é uma verdadeira ladeira para elétrons, que são em princípio os condutores dos sinais. Eles passam muito mais rapidamente pelos dispositivos. Além disso, podemos trabalhar com frequências maiores, ou comprimentos de ondas menores. Em tal grau que aproximamos das frequências da luz, o que dá a esta tecnologia as melhores condições para a construção de dispositivos óptico-eletrônicos.

No WECIQ2006 (primeiro simpósio sobre computação quântica no Brasil) eu assisti a uma palestra do Amir Caldeira, que na época era o físico mais citado da nossa terra. Em determinado ponto ele comentou sobre a possibilidade de confinar elétrons num arranjo piramidal dentro de uma estrutura arseneto de gálio. Simplificando, o confinamento destes elétrons na estrutura possibilitaria a observação dos efeitos quânticos que precisamos para a construção de um computador quântico. Além disto, e mais importante, o Caldeira enfatizou que uma estrutura deste tipo poderia satisfazer todos os critérios de Di Vincenzo.

Xi! Apareceu uma nova figura com nome italiano! Tutte buona gente! Di Vicenzo é um pesquisador da IBM que propôs cinco critérios que, se obedecidos, levariam à implementação de um computador quântico que definitivamente funcionasse. Em outras palavras, aqueles 20-25 anos que se estimavam para uma versão comercial de um computador quântico poderiam estar superestimados. Bem! Oito anos se passaram e ainda não temos nada parecido na Apple Store. Parte disto se deve a questão de que um computador não é somente feito pelo hardware. Há também a questão do software. Ou, ainda mais fundamental, a questão matemática do software,

Mas, por que queremos tanto um computador quântico? Os computadores convencionais nãos nos servem? Já podemos tocar nas telinhas, ver objetos em três dimensões, jogar com impressionante qualidade visual e ótimos efeitos sonoros, falar para que eles nos entendam, etc. Porém, os computadores ainda são burros. Por mais funcionalidades que adicionemos neles, comercialmente não temos nada além da capacidade de processamento de um cérebro de uma mosca porque tudo fica limitado a algoritmos ou programas que são armazenados e executados no computador. Se o computador quântico puder ultrapassar esta barreira algorítmica, com uma rapidez monstruosamente maior, certamente ele viria de encontro para promover uma nova revolução na humanidade. Quem sabe se não seja possível implementar a “verdadeira” inteligência artificial?

Mas nem tudo são flores. Em 2000 o Clay Mathematics Institute of Cambridge anunciou o que foi denominado como The Millennium Prize Problems. Ou seja, sete problemas cujas resoluções darão prêmios de um milhão de dólares cada. De lá para cá, apenas um deles foi solucionado, exatamente a conjectura de Poincaré pelo russo Grigori Yakovlevich Perelman. A despeito do folclore de ter um cientista emblemático barbudo e desempregado, que recusa por duas vezes um prêmio de um milhão de dólares (ele também recusou o prêmio EMS e a medalha Fields), um dos problemas não resolvidos da lista do Instituto Clay é sobre a equivalência dos problemas P e NP. Em palavras, estas siglas significam problemas fáceis de achar a solução, para a primeira, e fáceis de verificar a resposta para a segunda. Além de muita matemática para ambas. A questão é que este é o tema central que definirá as perspectivas dos computadores quânticos. Os computadores convencionais trabalham melhor com os problemas P, ao passo que os quânticos apenas evoluíram para algo que chamamos de BQP, uma espécie de superconjunto do P. Se a humanidade conseguir efetivar que os quânticos lidem eficientemente com problemas NP, o futuro seria muito promissor, já que haveria (ou poderia haver) sistemas híbridos que lidassem convencionalmente com os problemas P e quanticamente com os problemas NP.

Para finalizar, volto para a nossa viralatisse. Tínhamos os recursos humanos, a vontade e a vocação científica para encarar os desafios deste grande projeto. E por que não o fizemos? Como nação, perdemos muito tempo com questões que, a meu ver, são circunstancias, efêmeras ou irrelevantes. Enquanto deixamos aquelas, que evidentemente poderiam subsidiar a construção de um país mais próspero, ao esquecimento pela falta de priorização. E assim nossa reforma política foi para o ralo, deixando eleições caríssimas consumirem os recursos do país. Tratamos de assuntos importantes, como a pobreza, com soluções momentâneas, que também sangram o Tesouro e deixam um legado tão curto quanto o das mentes que o idealizaram. Discutimos ideologias tão arcaicas e obtusas quanto os objetivos daqueles que promovem a discussão.  Tudo que está a nossa volta demanda reformas, que são sempre postergadas para os próximos mandatos. Apenas latimos para o futuro e para o mundo, mas temos medo de viver neles, confirmando sempre a tese do Nelson Rodrigues.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Peter Brian Medawar

http://pt.wikipedia.org/wiki/Peter_Brian_Medawar

Obviamente poucos dos que me leem saberiam dizer quem é Peter Medawar. Acredito que a grande maioria nem acertaria por melhor que fosse o chute. Porém, quase todas as pessoas que vivem no Brasil podem dizer quem foi o capitão da Copa de 1970. Ou conseguem relacionar vários nomes de esportistas e políticos que compõem o que eu poderia chamar de panteão das nulidades de um país estranhamente vinculado às coisas fúteis. O próprio Peter, título deste post, somente tem relação com este país pelo fato de que ele nasceu no Rio de Janeiro, nada mais. Sua carreira se desenvolveu e se consolidou na Inglaterra. De qualquer maneira, é o único nome que aparece na lista de prêmios Nobel como brasileiro. Curiosamente existem apenas quatro argentinos, ao invés dos cinco que eu citei e que estão sepultados no cemitério da Recoleta. É que a lista da Wikipédia aponta o país cuja carreira se desenvolveu ou iniciou, ao passo que a lista da Academia Sueca aponta o país de nascimento (nem é preciso falar que na lista da Wikipédia o Brasil nem aparece). No item Argentina, a lista da Academia Sueca não cita o parisiense Luis Federico Leloir, Nobel de Química em 1970. Como o Nobel brasileiro, este Nobel francês é acidental, pois a família de Federico costumava viajar constantemente para Paris a fim de tratar a doença do seu pai. Acidentalmente, lá ele nasceu.

Mas não importa, o fato é que quando visitamos a Recoleta os argentinos falam com orgulho das tumbas dos seus laureados, e podem citá-los. A gente fica com Pelé, Senna, Guga e uma penca de irrelevantes políticos. Os argentinos falam com (merecido) orgulho sobre Ricardo Darín, enquanto aqui, salvo raras (e antigas) exceções, somente citamos nomes das versões atualizadas e tupiniquins das óperas-bufas, que inundam nossos cinemas e se propagam como comédias. Nem vou me prolongar muito nesta fúnebre e chuvosa quinta-feira, com os brasileiros de luto e baixa autoestima pela vergonha de um sete a um que não tem a mínima importância. Apenas me permitam citar novamente o sempre moderno Nelson Rodrigues ao dizer “o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes”. Não é o que parece pelas ruas e conversas pescadas, infelizmente.

Sempre grande Nelson. Tão grande que esta famosa frase é citada como sendo de autoria de Arrigo Sacchi, ex-técnico da Itália, que a usou sem fazer referência ao autor. Pois é! Primeiro mundo também rouba ideias, e é neste contexto que eu gostaria de falar sobre a Pirâmide de Arseneto-Gálio na próxima postagem. Nada a ver, e tudo a ver. Quanto à frase, é possível que tenha sido mesmo do italiano, o que não desmerece a afirmação de que primeiro mundo também rouba ideias. Mas Internet aceita qualquer besteira. Ao comentar a frase com meu amigo Érico ele se lembrou de outra atribuída a Abraham Lincoln, o que me faz desconfiar de tudo que se lê por aqui (incluindo esta postagem): "The problem with internet quotes is that you can't always depend on their accuracy".

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Onde está a poesia? (Final)

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Redheart.png?uselang=pt-br

Não! A poesia está no coração.

Tenta-se a métrica ritmada, o formato disposto em versos e a sonoridade de rimas para tentar induzir algo como música, cujo ritmo poderia domar os dragões do desejo, obstar qualquer leitor ante os precipícios da melancolia, ou simplesmente ecoar no íntimo da personalidade. Nesse sentido, a poesia empresta à literatura elementos da música, como o lirismo, a harmonia, a dinâmica temporal, a ressonância e (por que não dizer?) o timbre. Mas ela está no querer. Nunca estará no acaso. A poesia pode estar numa conversa com um pescador esquecido na longínqua Barrinha (Ceará), ao explicar com firulas retóricas como ele avança 200 km mar adentro e retorna na mesma praia alguns dias depois. A poesia pode estar em algumas passagens da maravilhosa Herta Muller, ao contar o sofrimento das pessoas nos campos de trabalho russos que se disseminaram pelo país após a II Guerra.

A poesia pode estar em qualquer lugar, mas ela precisa de um coração sensível para existir e da vontade para ser achada.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Next Station, Anhangabaú

http://commons.wikimedia.org/wiki/Alan_Turing#mediaviewer/File:Turing_Plaque.jpg

Repentinamente, após um esquisito efeito sonoro, as mensagens do metrô começaram a ser traduzidas para o idioma inglês. Agora, a grande massa de turistas estrangeiros que vieram para copa, formada majoritariamente por países onde predomina o idioma espanhol, pode entender qual é o nome da próxima estação. Eu vi muitos argentinos, colombianos, uruguaios e chilenos, poucos cidadãos de outros lugares. Mas isto definitivamente não importa, mesmo que na França eu tenha que me preparar para entender o que é droite ou gauche, ou perceber que FranqualanRosevelte é a estação Franklin Roosevelt. O que é relevante é que esta discussão trouxe na minha mente uma história interessante. Porém, o que entrelaçamento (creio que seja o que conheci por entanglement antes dos iberos lusos meterem a mão, ou opinião) tem a ver com as estações de metrô? Tudo e nada. Obviamente, o que se faz num trem na estação Barra Funda não implica movimentações de outro trem na estação Jabaquara, exceto em casos de greve onde parece haver uma simultaneidade orquestrada. De qualquer maneira, o que se faz aqui é reflexo do que pensamos ocorrer no mundo dito civilizado. Uma tentativa vira-lata (para se usar o termo démodé do sempre moderno Nelson Rodrigues) de querer parecer primeiro mundo. E isto me leva a questão do méson-pi e do Cesar Lattes, que muitos de você somente o conhecem por causa do nome do sistema de gestão de curricula acadêmicos. Lattes foi o primeiro a descrever o méson-pi na revista Nature, mas quem levou o Nobel foi o britânico Cecil Powell, seu companheiro de pesquisas. Naquela época, nosso viralatismo usava baldes de piche em picos do Chile, ao invés dos modernos e caros aceleradores de partículas, o que pode ter arrazoado seu esquecimento pela Academia Sueca. Paciência! O placar permanece Argentina 5 x Brasil 1 em números de Nóbeis, o que eu considero muito mais relevante do que quantidade de copas do mundo.

Em 2006 eu fui penetra no primeiro evento sobre computação quântica no país, realizado no Rio Grande do Sul. Mas não vou falar que foi em Pelotas para não zoarem comigo. Consegui entrar como uma espécie de representante da USP e, para parecer que não estava boiando tanto, tive que manter a minha boca calada o maior tempo possível, e fazer cara de coruja atenta.  Penetra mesmo, mas bem intencionado. Larguei a física na década de 80 traindo-a com a ciência da computação. Ocorre que neste século as duas ficaram amigas em torno da QTM. Para quem não sabe, o “T” da sigla é do Alan Turing, o primeiro a descrever como uma máquina que ainda não existia deveria funcionar: o computador. Tecnicamente, todo computador é uma máquina de Turing, e agora vocês podem suspeitar o que é o “M” (machine). O “Q” é exatamente a aliança que ligou as duas áreas do conhecimento, ou seja, a quântica. Como todo interessado em novas fronteiras da ciência da computação, especializado em criptografia, eu precisava me inteirar sobre o assunto. É uma boa intenção, não?

Bem! Continuarei depois neste blog para explicar a pirâmide de arseneto gálio, os critérios para viabilizar um computador quântico, a questão que vale um milhão de dólares (equivalência P x NP), entanglement (eu prefiro a tradução literal: emaranhamento), onde tudo é processado e o que eu estou fazendo aqui?

Tudo o Que Tenho Levo Comigo - Herta Müller


“A urgência do desejo e a perfídia da felicidade há muito fazem parte do meu passado”.

“Uma velha russa a abriu, pegou o carvão e me mandou entrar. O quarto era baixo, a janela ficava na altura do meu joelho. Sobre um banco estavam duas galinhas magras e cinzentas. Uma das galinhas tinha a crista caída sobre os olhos, balançava a cabeça feito pessoa sem mãos com o cabelo caído sobre o rosto”.

Confesso que é difícil caracterizar este livro da Herta. A narrativa te transporta de amarguras a encantos, de jocosidade a graça. Monta cenas de tristezas sem melancolia, aquiescência sem mágoas. Há passagens em que o discurso vasculha o íntimo, mas longe de teorizações psicológicas ou sociológicas. São visões de um jovem que amadurece no constrangimento de uma situação imposta pelo stalinismo, que utiliza seu esforço, e seu corpo de ascendência alemã, como um despojo de guerra. Principalmente dentro de cinco anos que o protagonista fica enclausurado numa espécie de campo de trabalho forçado. Um dentre vários que foram feitos para a reconstrução da Rússia após a Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, o entendimento que este jovem tem da conjuntura não proporciona mágoas ou ressentimentos. Apenas o induz a uma adaptação a uma situação que foge do seu controle ou vontade. E neste ambiente ele constrói outra vida, com personagens que são colocados ao seu lado na penúria, ou fazem parte daqueles que mandam ou se aproveitam da situação. Além de outros inventados, como o Anjo da Fome, que possui a onipresença na míngua dos seus dias e o mantém no limbo da vida. E assim ele passa pelos dias e narra a significância dos pequenos momentos e objetos deste novo mundo. Detalhes que passariam despercebidos na “urgência dos desejos” ou na “perfídia da felicidade”, mas assumem uma importância quando todo o restante lhe é extirpado. Logo de início aparece a erva-alheira, que nasce na aleatoriedade dos campos e fendas do chão. Sabe-se então qual é a melhor época do ano para comê-la, ou acrescentá-la na sopa. Brinca-se com a semântica do seu nome, com as fibras que retiram o mastigável do seu sabor no inverno. Conhece-se os diversos tipos de neve, a melhor pá para se retirar o carvão dos trens, a mistura correta de cimento para que não se quebre os quando se armazenados. Conhecem-se pessoas estranhas, como o marido que toma a comida da mulher anuída por tradição. Sabe-se dos piolhos e dos pentes artesanalmente construídos para retirá-los da cabeça. Das galinhas magras e cinzentas e de pessoas sem mãos. Vive-se enfim num mosaico, ou num calidoscópio acinzentado pelos lugares esquecidos pela história. Mas se vive na narrativa deste excelente drama.    

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...