segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Fernanda Torres - Fim


No livro "The First Five Pages", de Noah Lukeman, é aconselhado atrair e seduzir o leitor (no caso o editor) nas primeiras cinco páginas do livro para que este não vá para a pilha de rejeição. Sol Stein também sugere algo semelhante. Assim, começarei pelo primeiro capítulo do trabalho de estreia da autora, que tem o título "Fim". Deste a leitura do livro "O Amante do Vulcão", da premiadíssima Susan Sontag, eu tenho a nítida impressão de que as escritoras somente conseguem enxergar e desenvolver dois tipos de personagens masculinos:  aqueles exageradamente romantizados (no caso do Amante), ou aquele tipo totalmente vazio de ideias que apenas toca a vida com gracejo e certa melancolia. A Fernanda não foge a esta regra, mas optou pelo segundo estereótipo, em todos os principais personagens masculinos apresentados.  Começa a história em primeira pessoa num ritmo frenético (com a técnica de frases curtas e mudanças abruptas no tempo da narrativa), muito rápido para a introdução de uma dezena de personagens em diversas linhas de tempo. A certa altura eu confundi quem era quem e se o protagonista estava a pé ou de carro. Estava de carro, mas no final fica a pé. Há também o conflito de querer emburrecer o coitado, mas citar um detalhe um tanto erudito. De qualquer maneira, é divertido, bem pesquisado e bem escrito.  Eu o colocaria na minha pilha de rejeição, mas pelas características positivas eu me permiti continuar. Espere-me um pouco mais, querida Herta Müller.

A narrativa passa para a terceira pessoa e um personagem do primeiro capítulo é pescado para continuar. As frases são maiores e mais introspectivas. Há uma elegância no escrever que caracteriza uma mulher, é claro. E pequenas histórias seguem numa sequência muita rápida, com linhas de tempo concomitantes, futuro e passado misturados, personagens brotando às dezenas, variação de discurso em primeira e terceira pessoas. Em um determinado ponto eu fiquei cansado de retornar páginas e mais páginas para tentar compreender onde eu estava. Tanto que lá pela página 100 eu cogitava desistir.

Porém, depois da metade do livro a história fica mais clara e, assim, também atraente. A confusão gerada pela aparente aleatoriedade entre a utilização da narrativa em primeira e terceira pessoas é desfeita quando se percebe que os protagonistas do "fim" falam em primeira pessoa. Isto é, quando cada um dos que vão falecer falam do dia derradeiro. Para o povaréu restante, a autora preferiu a onipresença intrusiva da terceira pessoa. Um recurso arriscado que ela preferiu correr.

Em todo caso, talvez mais pelo excesso de idas e vindas do texto, os personagens vão se revelando pouco a pouco. A confusão do tempo permanece, o excesso de alternância entre cenas e personagens também, mas num ritmo menor. A construção retalhada finalmente mostra que a história caracteriza o que eu poderia designar como tragédia carioca dos anos 70. É exagero ou restritivo apenas regionalizar como "carioca"? Talvez, mas a minha vida naqueles anos transcorreu entre São Paulo e Rio. Obviamente eu percebia que existiam nuanças específicas entre os impactos daqueles anos nas duas sociedades. Isto para mim justifica o "carioca", embora que o principal está no livro: o desmoronamento da família e a explosão da individualidade. Todas as consequências sociais da crise do petróleo de 1973 não foram mostradas. Não era a intenção da história (ou das histórias) a caracterização da metamorfose dos personagens (como no Mudança do Mo Yan), a não ser para a melancolia derradeira de vidas levadas ao extremo, e daqueles que as acompanharam.

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