sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Inferno (Hell)


Agora eu finalmente parei. Talvez seja melhor dizer que eu estacionei o meu desejo num olhar frio e inexpressivo, que apenas sonda velhas mesas e cadeiras nesta sala. Não sei exatamente o que procuro. Penso que eu quero ser encontrado por algo ou alguém que rejuvenesça meus anseios. Para que, numa espécie de transe, atravesse todos os corredores que me levariam até a felicidade, certamente longe daqui. Mas estou cercado por paredes mal pintadas, que se avolumam para cima de mim na medida em que a minha prostração se alastra. Os tentáculos viris do inferno tocam tudo neste ambiente, absorvem tudo o que se respira e deixam no ar o fétido aroma do mofo, que prolifera no desmazelo. Meu corpo não movimenta a vontade; meus pensamentos não recriam ilusões que abstraiam o negrume pintado na existência. Nauseabundo, apenas atravesso dias e dias, escorrendo pelo calendário até a incerteza de quando o tempo irá parar definitivamente isto que agora eu chamo de cotidiano.

No meio da parede oposta há uma janela. Há algo além. Há luz que insiste em atravessar a cortina amarelada e translúcida, borrando de tons âmbares tudo que está preso nesta sala. No meio da parede emoldura-se uma janela. Para trás do além existe uma distância que se estende pelo longe até onde eu desconheça quem são as pessoas e os lugares. Há luz sobre elas, que desmascaram as expressões não mais retorcidas por rugas de preocupações.

No meio do meu coração há uma janela.


Now I finally stopped. Maybe I should say that I parked my desire in a cold and expressionless stare, which only inspects old tables and chairs in this room. I do not know exactly what I'm looking for. I think I want to be found by someone or something that rejuvenates my longings. For, in a kind of trance, I go through all the corridors that lead me to happiness, certainly far from here. But I'm surrounded by badly painted walls, looming over me inasmuch as my prostration spreads. The virile tentacles of the hell touch everything in this environment, absorb everything that is breathable in the air and let this fetid smell of mold, which thrives in the slovenliness. My body does not move the will; my thoughts do not recreate illusions that abstract the darkness painted in existence. Nauseating, I just cross days and days, streaming down through the calendar until the uncertainty about when the time will finally stop this thing that now I call quotidian.

In the middle of the opposite wall there is a window. There is something beyond. There is a light that insists in goes through the yellowed and translucent curtain, which smudges tones of amber in everything that is stuck in this room. In the middle of the wall a window frames itself. Back of beyond there is a space which extends along the distance to where I unknown who are the people and the places. There is light over them, which unmasks the expressions no more twisted by wrinkles of worries.

In the middle of my heart there is a window.

(Esta é a prosa-projeto do primeiro poema do livro “Janelas da França” - This is the prose-project of the first poem of the book "Windows of France")

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