sábado, 29 de agosto de 2015

Fatos

Justine Dieuhl - Toulouse-Lautrec - Museu D'Orsay - Paris (foto do autor - 2008)

Eu quero me lembrar do teu rosto,
Já tão apagado pela espera destes anos.
Eras uma menina dentro de um corpo de mulher,
É o que me recordo.
Caminhavas com passos delicados,
E pisoteavas matreira a minha sombra.
Abrias um sorriso travesso,
Tão indócil que suas formas
São as que mais firmes estão no meu pensamento.

Eu quero despi-la de qualquer desgosto,
Que porventura fosse criado pela minha conduta.
A mágoa dos fatos mancha o eterno.
E o futuro se bifurca na indolência
É o que está na minha memória:
Um rosto e um sorriso
Enevoados pelo tempo e pelo remorso.
Uma mulher que perdeu a menina,
E passos que a levaram.

Quero fugir do que me foi imposto,
Já tão estampado quanto uma tatuagem.
Eras uma mulher dentro de uma menina.
É o que ficou nas minhas alucinações.
Corrias com passos acelerados,
Para escapar das minhas sobras.
Fechavas aquele sorriso moleque,
E emprestavas formas tristes ao rosto
Que lacrimejava teu abatimento.

Eu quero vesti-la com o meu gosto,
Que a presentearia após esta minha luta.
A certeza dos fatos a aqueceria no inverno
E o futuro convergiria na tua clemência.
Tu sairias da minha memória:
Um corpo e uma mulher,
Resgatados do tempo e do arrependimento.
Uma pessoa que ganhou a menina,
E passos que a trouxeram.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Olhos


Olhos! Também tenho olhos. Registro que tenho dois em bom estado de funcionamento, que veem o mundo sobre vários prismas, alguns até além da tão desejada simplicidade. Em alguns momentos, ser simples me dá tédio, em outros eu gosto. Havia (ou há) uma música do Raul Seixas que aclamava: “eu prefiro ser esta metamorfose ambulante do que ter aquelas velhas opiniões formadas sobre tudo”. Alma irrequieta? Decerto. Sonhador? Talvez... não. Não sonho mais, não durmo mais. E antes que se pense em aspectos vampirescos, eu digo que estou apenas desperto, observando, vendo pessoas passarem com suas vaidades na passarela. Corpos objetos de uma sociedade que abriga e rechaça. Vejo-as e não as desejo. Porém, algumas vezes, uma delas sai da linha e apresenta um comportamento inusitado. A máscara cai e ela se revela. São estes momentos que eu espreito. São aquelas ocasiões que displicente ou involuntariamente o ser desmura todo um mecanismo de obliteração do coração. É claro que eu poderia furar qualquer muro com a retórica da paixão. Ei! É uma analogia boa: eu criaria um buraco com as artimanhas do meu coração, mas o muro ainda estaria lá. Não conseguiria ver tudo, nem ao menos a dimensão do que tem do outro lado. Ao passo que se uma pessoa me atira o tijolo do seu muro, eu sei que ela quer ajuda para derrubá-lo. Então eu a olho, com uma mirada terna. Digo com a minha visão que sou da paz. Quero tudo derrubar, mas com consentimento.

Jaz no meu passado a angústia do tempo. Aquilo que tudo impulsiona, que tudo motiva pela insanidade da urgência. Desta forma, posso ser livre, como somente uma alma desperta pode ser. Já não mais sonho, pois estou acordado para o destino. Ele não mais me carrega, apenas me empurra.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A Trilha

By böhringer friedrich (Own work) [CC BY-SA 2.5 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5)], via Wikimedia Commons

A trilha leva os meus passos e há algo de indolente que se esvai pelo caminho. Diria que é o meu corpo, rechaçado do convívio por um absoluto e imenso cansaço. Diria que é o meu ânimo, alquebrado pelas frustrações eternas, por aquela mulher que varreu todos os vestígios de felicidade. Um passo após o outro e a terra não me consome, mas as lembranças que vertem pelas lágrimas assolam a paisagem. Ela está lá estática e muda. Uma imagem de um rosto claro, com seus olhos cor de mel, a disputar matizes com o pôr do sol no infindo horizonte do destino. Inalcançável pelas lamúrias, pelas súplicas de paixão que um dia foram ignoradas. Um passo após o outro. Não me importa mais para onde ir ou onde chegarei. Qualquer lugar é qualquer lugar. Não haverá remanso e não haverá paz que afaste esta tormenta de não mais vê-la, a não ser pelas miragens que zombam pelo cotidiano.

Há algo de eterno no meu passado. Os passos caminham por si só, como se ignorassem a minha vontade de me perder. Não há mais um futuro para se sonhar, não há mais um objetivo por que lutar. Apenas um caminho do qual não se pode desviar. O abrigo para esquecer do mundo, é o próprio caminhar.

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...