terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Prelúdio do Adeus


Pelo que sei, não mais cativo teus pensamentos como antes. O som da minha voz se cala na ausência do teu olhar, assim como meu abraço envolve o vazio do teu corpo. Pelo que sinto, já não mais tenho o teu amor. É! Não há mais vestígios da desenfreada paixão que explodia louca, acasulada na casa, alteada na cama. Não mais te sinto, apenas te quero no fio tênue de uma vontade remoída de lembranças de outrora. Não mais sinto o pulsar daquele coração jovem, que turbilhonou minha vida e a tornou rodeada de sonhos e esperanças, de planos e desejos, de dias além dos dias. Nada mais és do que uma sombra daquela luz distante que clareou nossa loucura. Tens um rosto, mas as expressões te escaparam. Tens um corpo que apenas se deita e se deixa. Tens mãos que apenas tocam sem a substância, sem ardor. Tens um olhar furtado, perdido por falta de contemplações.

Ah! Minha querida! Onde estás? O que ocorreu? Suas palavras soam como não ditas, ou mal ditas, ou malditas.  Seu caminhar cambaleia por entre os móveis, querendo fugir desta casa, mas sem ter para onde ir. Estás prisioneira dentro de si, ensimesmada. É a pior prisão possível porque não se vê os muros, as paredes e as grades. Construíste esta jaula frustração após frustração. Enterraste os sonhos, abrandaste os desejos. Enterraste a si, abandonaste os anseios. Viraste um corpo que vaga vagarosamente pela vida e que não procura no amanhã o ontem.

Acorda amor! O tempo urge com a imposição de menos dias no calendário. Haverá um fim, certamente, mas deixe-o para quando tudo desaparecer. Para quando não houver o limbo entre o que somos e o que gostaríamos de ser. Ouça isto como uma súplica sussurrante, uma ladainha que se procura impregnar na tua esperança. Ouça-a como uma oração que pede o teu renascimento, e antecipadamente agradece pela graça improvável. Ouça-a como uma mulher, não como um espantalho a assustar os nossos voos.

sábado, 14 de maio de 2016

Onde você está? (¿Dónde usted está?)

Toni Frissell [Public domain], via Wikimedia Commons

Onde você está? A pergunta invade o meu remorso com a suspeita da resposta. Longe, muito longe! Nem tanto pelo que se pode medir. Mais pelo que se pode sentir. Longe, muito longe! Isto martela a minha mente e dissipa meus sonhos. Aqueles mesmos sonhos que vivemos juntos, mais na imaginação do que na realidade. Mas isto não nos importava. Quando as miragens traduzem a realidade do coração, são por elas que vivemos. Longe, muito longe! Cada vez mais longe por esta estrada que consumo pelo acelerador, acompanhado por paisagens silenciosas, pela música que logo esqueço, que se canta rápida na distração de remoer minha saudade. Definitivamente, há algo estranho nesta estrada que percorro. Algo que escapa ao entendimento. Por um lado, o ruído brando do motor disputa com o assobio suave de um vento que passa por alguma fresta. Não sei onde, são apenas barulhos e silêncio, intercalados com a percepção atenta na estrada. Misturados com a teimosia de uma mente que não para, assim como o carro. Mas que passa por locais distantes, já no limite da abstração. A rodovia vem e vai. Você vai e vem. A gangorra do tempo me leva ao teu colo no passado e à fantasia do presente.  Não sei onde você está. Talvez esteja envolta por braços estranhos, talvez feliz. Ou talvez esteja também numa estrada sem rumo.

Longe, muito longe!

Posso descrever as imagens, bem como aquelas miragens que se confundem vestidas de realidade. Não há discernimento na alucinação, apenas vultos e coisas, encadeadas sem lógica ou razão, sem tempo ou instantes. São momentos evocados que se misturam com as pequenas cidades que passam e se deitam ao lado do carro. Emprestam-se como cenários, onde a vejo. Emprestam as pessoas, que te acompanham. Emprestam as calçadas por onde passeio contigo. Logo elas e você vão embora e passam grandes campos verdes, colinas pretensiosas de altitudes, riachos esquecidos e placas malconservadas. Na miragem, passam metrópoles e desertos cercados por montanhas imponentes, vestidas com um chapéu branco de neve. Passa você caminhando pelo acostamento, com um vestido branco de seda. Cabeça baixa, passos hesitantes e descalços. Seu cabelo ruivo se mistura com o sol, pingando reflexos dourados nas minhas lágrimas. Grito para ti, mas você desaparece no repente de uma piscada. Maldita piscada. Eu deveria ter eternizado meus olhos em ti, a minha paixão em ti e meu amor em nós.

Longe, muito longe!

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¿Dónde usted está? La pregunta invade mi remordimiento con la sospecha de la respuesta. ¡Lejos, muy lejos! Ni tanto pelo que se puede medir. Más pelo que se puede sentir. ¡Lejos, muy lejos! Esto martilla mi mente y disipa mis sueños. Aquellos mismos sueños que vivimos juntos, más en la imaginación del que en la realidad. Pero esto no nos importaba. Cuando los espejismos traducen la realidad del corazón, son por ellos que vivimos. ¡Lejos, muy lejos! Cada vez más lejos por esta carretera que consumo con el acelerador, acompañado por paisajes silenciosas, por la música que inmediatamente olvido, que se canta rápida en la distracción de remoler mi añoranza. Definitivamente, hay algo extraño en esta carretera que recorro. Algo que escapa a la comprensión. Por un lado, el ruido blando del motor disputa con el silbido suave de un viento que pasa por alguna rendija. No sé dónde, son sólo barullos y silencio, intercalados con la percepción atenta en la carretera. Mezclados con la obstinación de una mente que no para, así como el coche. Pero que pasa por locales distantes, ya en el límite de la abstracción. La carretera viene y va. Usted va y viene. El balancín del tiempo me lleva a tu regazo en el pasado y a la fantasía del presente. Tal vez esté envuelta por brazos extraños, tal vez esté feliz. O tal vez esté también en una carretera sin rumbo. 

¡Lejos, muy lejos!

Puedo describir las imágenes, así como aquellos espejismos que se confunden vestidas de realidad. No hay discernimiento en la alucinación, sólo bultos y cosas, encadenadas sin lógica o razón, sin tiempo o instantes. Son momentos evocados que se mezclan con las pequeñas ciudades que pasan y se acostan al lado del coche. Se prestan como escenarios, donde a veo. Prestan las personas, que te acompañan. Prestan las calzadas por donde paseo contigo. Luego usted e ellas van, aunque, y pasan grandes campos verdes, colinas pretensiosas de altitudes, riachos olvidados y placas mal conservadas. En el espejismo, pasan metrópolis y desiertos cercados por montañas imponentes, vestidas con un sombrero blanco de nieve. Pasa usted caminando por el arcén, con un vestido blanco de seda. Cabeza baja, pasos dubitativos y descalzos. Su cabello pelirrojo se mezcla con el sol, goteando reflejos dorados en mis lágrimas. Grito para ti, pero usted desaparece en el repente de una parpadeada. Maldita parpadeada. Yo debería tener eternizado mis ojos en ti, mi pasión en ti y mi amor en nosotros. 

¡Lejos, muy lejos!

sábado, 2 de abril de 2016

Silêncio (Silencio)

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Giovanni_da_san_giovanni,_la_quiete_che_pacifica_i_venti,_1632,_08.JPG#/media/File:Giovanni_da_san_giovanni,_la_quiete_che_pacifica_i_venti,_1632,_08.JPG


No interstício entre as palavras se encontra minha gênese. Eu nasci nas trevas dos significados, onde não se ilumina o que se quer dizer. Lá não há sons, apenas sombras destes que se fantasiam de forma e dependem da imaginação de quem está perto. São suspeitas de acepções, são esperas de vozes. Eu nasci por debaixo do manto das intenções.

Posso me vestir de alguns gestos, ou de olhares profundos que parecem vasculhar a alma, mas nada sou do que um reles intervalo que cimenta as ideias. Nada sou além do nada. Todavia, sou eu quem dita o ritmo dos sonhos e quem expressa o contentamento e a comoção apenas pela minha dimensão, pela chance que dou às lágrimas ou aos sorrisos. Posso ser pequeno, na medida do teu interesse, e posso ser grande ao envolver de horas a escuridão da tua razão. No desespero dos caminhos tortuosos da vida, que levam nossos destinos para horizontes imprecisos, posso ser teu companheiro. Quando olhares aquele sol despencando no firmamento, quando sentires a dor da solidão e quando deixares a vida para a eternidade, eu estarei lá contigo. Espera-me no tiquetaquear dos relógios e nas folhas que caem dos calendários e das árvores, outonos após outonos.

Hoje eu estou apenas escondido, entre uma palavra e outra. Tu apenas me supões na dinâmica da conversa. Mas eu crescerei e dominarei o relacionamento se as palavras que ligo não se traduzirem no teu coração.

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En el intersticio entre las palabras se encuentra mi génesis. Nací en las tiniebla de los significados, donde no se alumbra lo que se quiere decir. Allá no hay sonidos, apenas sombras de éstos que se fantasean de forma y dependen de la imaginación de quien esté cerca. Son sospechas de acepciones, son esperas de voces. Nací por debajo del manto de las intenciones.

Puedo me vestir de algunos ademanes, o de miradas profundas que parecen buscar el alma, pero nada soy de lo que un relees intervalo que cementa las ideas. Nada soy más allá del nada. Todavía, soy yo quien dicha el ritmo de los sueños y quien expresa el contentamiento y la conmoción apenas con mi dimensión, por la chance que doy a las lágrimas y a las sonrisas. Puedo ser pequeño, en la medida de tu interés, y puedo ser grande al envolver de horas la obscuridad de tu razón. En la desesperación de los caminos tortuosos de la vida, que llevan nuestros destinos para horizontes borrosos, puedo ser tu compañero. Cuando mirar aquel sol cayendo en el firmamento, cuando sentir el dolor de la soledad y cuando dejar la vida para la eternidad, estaré allá contigo. Me espera en la marcación de los relojes y en las hojas que se caen de los calendarios y de los árboles, otoños después de otoños.

Hoy yo estoy apenas escondido, entre una palabra y otra. Tú apenas me supones en la dinámica de la charla. Pero yo creceré y domeñaré la relación si las palabras que ligo no si traduzcan en tu corazón.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

A Chuva e o Silêncio


A chuva bate no telhado. A aluvião de águas caminha, continua e desesperadamente, pelas frestas e canos até o seu destino no chão. Ora mais intensa, ora com a falsa calmaria da solidão. Rompe um silêncio, rompe o teu silêncio, que brotou de um passado contínuo e desesperado pelos sentimentos que, aluviais, caminhavam pelas brechas do teu corpo até seu destino na paixão.  Foste uma tempestade que terminou em tormenta. E agora, paira o silêncio do teu sorriso, da tua fragrância e de tantos sonhos fantasiados juntos. Um silêncio tão grande que torna irrelevantes estes trovões e esta chuva que cai com insistência.

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The rain hitting the roof. The water alluvium walks, continuously and desperately, through the slots and pipes to its destination on the ground. Sometimes more intense, sometimes with the false calm of solitude. Breaks a silence, breaks your silence, which sprouted from a past continuous and desperate by the feelings that flood and walked through the breaches of your body until its destination in the passion. You were a storm that ended in storm. And now, it hovers the silence of your smile, of your fragrance and of many dreams fantasized together. Such a silence that makes these thunders and rain, that falls insistently, irrelevant.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Velho

Por Attributed to or circle of Rembrandt - The Yorck Project: 10.000 Meisterwerke der Malerei. DVD-ROM, 2002. ISBN3936122202. Distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH.Este ficheiro foi derivado deRembrandt Harmensz. van Rijn 106.jpg:, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=24475935

Cá estou na margem dos acontecimentos e posso eludir seus olhares com o vazio de palavras amenas, despidas de emoção. O tempo do amor está na tumba das minhas lembranças. O tempo dos rompantes nem chegou a existir. Apenas em alguns sonhos ou hesitações que me afastaram dos desejos juvenis. A idade sentencia meus anseios; agora fugazes, inoportunos e passados. O branco tinge minha cabeça, que pende para olhar o chão por onde passo. Não encara mais a condolência das pessoas, a gentileza protocolar e a imensa insignificância das suas expressões. Alguns amigos ainda estão por aqui, outros se foram por alguma estrada, outros por nenhum lugar.  Alguns se perderam, alguns se encontraram e eu sou convidado por sombras, nem tanto reais, a me findar. Névoas que agora espreitam uma jornada um pouco glamorosa, um pouco inútil. Eu me tornei velho e sábio e sei que nesta vida tudo vale um pouco para alguns e nada para a maioria. Destruímos mais do que construímos. Destituímos mais do que entregamos.  Mas vencemos. Chegamos nos derradeiros dias cansados, desiludidos, mas cientes de que cá estamos, onde tantos tombaram.

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I'm here on the margin of happenings and I can elude your glances with the emptiness of mild words, devoid of emotion. The time of love is inside on the tomb of my memories. The time of the outbursts didn't even exist. Just in some dreams or hesitations that kept far from juvenile desires. The age sentences my desires; now fleeting, inopportune and passed. The white dye my head, that leans to look at the floor where I step. It does not more stares at the people's condolence, protocols of kindness and the vast insignificance of their expressions. Some friends are still here, others got out for some road, others for nowhere. Some got lost, some met their tracks, and I am invited by shadows, not quite real, to end myself. Mists that now lurk a journey a little glamorous, a bit pointless. I became old and wise and I know that in this life all worth a little for some people and nothing for the most. We have destroyed more than built. We have destroyed more than deliver. But we won. We arrived in the last days tired, disillusioned, but be aware that we are here, where so many perished.

sábado, 9 de janeiro de 2016

... E diz que me ama.

Por Carsten Tolkmit from Kiel, Germany (Kiel Bay at night) [CC BY-SA 2.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0)], undefined


Com as primeiras brisas da noite, a impressão de quietude nos abraça. O sopro suave da Natureza mal agita as folhas da árvore acima, que balançam um balé soturno, manchadas pelas sombras da noite. A algazarra dos pássaros se calou. O ir e vir das conversas cessou.  O horizonte se apagou sob um manto negro. Nem uma voz de amantes ousa desafiar a solidão. Nem uma lágrima atreve-se a revelar a tristeza.

No silêncio dos teus olhos posso ouvir as tuas súplicas. Nos desenhos do teu rosto posso moldar a tua paixão. Você me cala na tua gênese para dizer que não há um passado, nem um futuro. Há aquele momento que se apartou da eternidade para contemplar a infinitude da condição humana. Apenas vã. Poucas vezes a vi assim, sem as cornucópias da ambição, sem as certezas das convicções. Desarmada de esperanças, desalmada de sonhos.

Na tristeza da tua face posso sentir o desespero da angústia. Na mudez é quando você mais grita e diz que me ama.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O Nada e o Mar

"Along the Coast-Alfred Bricher" by Alfred Thompson Bricher - artrenewal.org. Licensed under Public Domain via Wikimedia Commons - https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Along_the_Coast-Alfred_Bricher.jpg#/media/File:Along_the_Coast-Alfred_Bricher.jpg

O império do vazio! Não haverá subterfúgios para contemplarmos a infinitude do nada. O ser é provisório, o nada permanente. Caminho despejado dos meus pensamentos, desprovido de perguntas. É inverno e o vento lança as gotas eriçadas das cristas das ondas, que crepitam geladas na minha face. Chão úmido de sensação congelada, o mar me toca com braços amplos. Deseja-me. Abro os meus braços como prévia de amplexo para mergulhá-lo. Nego-o. Sigo meu caminho pela orla, mantendo-me no abissal desde a minha vontade e o mar. Somos apartados pelo destino. Não enfrento suas ondas e suas tempestades. Não marinho pelo seu corpo porque ela está em outro vazio. Ela? Um rosto? Não! Ela é o nada que nada pode, que nada navega, que nada sonha pelas tranças da maré que nunca a levou. Esqueço-a porque sua existência foi tão efêmera em mim, quanto este filhote de cão que agora me acompanha. Olhos grandes pedintes, mendicantes. Tenho certeza que são os meus olhos, os mesmos que lhe negam súplica. Mas ele ainda me segue, em direção ao nada que somos e seremos. Numa persistência que imita esta vida inútil. Quiçá me siga a sete palmos, quiçá no escritório teatral que protagonizo. O amplo mar e o mísero cachorro. Estou no meio disto para sempre.

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...