By http://rebcenter-moscow.ru/ (English: own work Rebcenter-moscow)
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Ando, ando, ando! Passam-me janelas entreabertas e seus interiores parciais desacanhados. Passam-me pessoas incertas com seus olhares esgueirados, avultadas pelo meu débil e frágil corpo. Passam-me mendigos com seus olhares pedintes e suas farrapadas malcheirosas; destacados nas suas falsas negligências. A multidão incha na minha frente como um muro barulhado, como uma onda abraçada pelos edifícios sombrios. Num brusco repente, assusto-me! Não posso gritar, não posso chorar e trancafio minhas emoções dentro de um peito cujos sonhos foram penhorados, cujas glórias foram esquecidas e tudo o que me define está por ora malogrado. Cansado, procuro uma calçada mais vazia e sento-me na guia.
Chego à beira deste precipício que invento, dentre tantos que me lancei. A paisagem mágica na minha cabeça é aquele horizonte que não posso trilhar, porque cavei o abismo que ora me assombra. A virtude me cobre ao vestir-me de esperança, tão tênue quanto os hesitantes passos que aqui me trouxeram. Você está em algum lugar onde o meu olhar alcança, mas, quando penso em ti, uma névoa se forma. Estou dentro dela tanto quanto o abismo. Seguir para ti é saber que irei passar pelo despenhadeiro. Andar, andar, andar! Em algum momento cairei. Sombras me acompanham e, algumas vezes, procuro encontrar teu rosto nelas.
- Olá! Por que olhas para o longe?
Uma voz feminina me pergunta. Não posso dizer que o longe está ao lado. Ao mesmo tempo em que não é o sorriso dela, é um sorriso. Ao mesmo tempo em que não é o cândido olhar dela, é alguém a me ver. Não posso dizer que a distância, quiçá infinita, é não sentir no meu toque o rosto dela, embora tenha uma suave tez a me comover.
- Quanto é longe para ti?
Respondo com esta pergunta que, mesmo tendo um significado doloroso para mim, não pode ser entendida como tal. Assim, ela senta ao meu lado, abre uma brecha na névoa invisível que me cerca, e com uma improvável sabedoria diz:
- O longe é para onde quero ir. Atrás de nós, tudo que está perto me desespera.
Então ela desvia o rosto e também começa a contemplar a distância. Virei o meu para olhá-la e vi uma pele clara, que ornava um feitio ao mesmo tempo suave e marcante. Por aquelas poucas palavras, talvez apenas gentis, sem artifícios ou manhas, eu senti vontade de beijá-la. Não devido àquele quase formalismo que acontece quando nos aproximamos de alguém que conhecemos. Senti vontade de beijar suas palavras, na pele de onde elas vieram. Precisava dizer algo. Sentia-me compelido a preencher aquele momento um tanto estranho e insólito. Nunca nada semelhante houvera acontecido comigo e eu preciso parar de pensar. Precisava dar voz a alguma coisa. Pensei que iria balbuciar, mas, para minha surpresa, minha voz saiu tão firme que parecia ter uma convicção eterna.
- Quero andar!
Ela sorriu e virou novamente o rosto para mim, permitindo que eu contemplasse aquele azul claro de seus olhos, o que tornara o céu insignificante.
- Meu nome é Laura.
Sorri levemente e respondi dentro de uma mistura de serenidade e satisfação.
- Jorge.
Não alenta largar o meu nome sem verbos ou pronomes. Este laconismo traz-me o que está obscurecido no meu peito. Afugento pessoas e suas ideias com a falta de sorrisos e a concisão, o que me é penoso porque ao mesmo tempo pareço sentir falta delas. Meu paradoxo: amo e odeio a solidão. Quero a solidão porque não acredito que alguém possa amar isto que defino como um trapo de gente. Por outro lado, não quero a solidão porque acredito em uma improvável afinidade de almas. Sim! Este instante retorna à minha mente alguns versos do Pink Floyd que vadiaram na minha adolescência. Às vezes, quase que perfurando o vinil de tanto tocar. Às vezes em suaves e despretensiosos murmúrios cantados na ociosidade.
And if I show you my dark side
Will you still hold me tonight?
And if I open my heart to you
And show you my weak side
What would you do?
Luto contra o meu silêncio e as minhas dúvidas seculares e suavemente digo após um suspiro.
- Invento o mar. E continuo: - Invento o pôr do sol sobre ele.
- Invento as ondas e seu ruído constante e imortal.
- Invento as gaivotas (dissimuladamente olho para cima) e ouço seus gritos estridentes.
- A prisão da cidade não é suficiente para a minha liberdade, pois estarei onde eu quiser estar. – Sempre!
Percebo lágrimas no seu rosto e não compreendo os pensamentos que traduziram tão simples dizeres em evidente emoção. Talvez ela seja uma pessoa extremamente emotiva, ou passe por algum problema tão sério, que nocauteia a razão e seu comedimento necessário frente a um estranho. Talvez ela seja pisciana! Oras! Já começo a não logicar corretamente. Não acredito em horóscopos e imagino explicações estapafúrdias neste meu grau de desconhecimento. De fato, quem é ela? Por que está aqui? E principalmente por que está comovida? Entretanto, no meio das minhas indagações ela recomeça o diálogo.
- Milton Nascimento.
- Hã? Respondi e contorci a fisionomia para mostrar que não entendi.
- O que você disse: invento o mar. – Invento o sonhador em mim. – É a canção Cais do Milton. – Ela me toca profundamente e esteve comigo nos momentos em que conseguia sonhar.
Lentamente ela começa a murmurar a música e eu medito sobre aquela estranha coincidência. Amo Cais! É claro que inadvertidamente poderia ter roubado aquela frase da música. Há tantas canções que se prendem na minha mente, como tatuagens a lembrar de fases da vida pelas quais passei. Há tantos versos soltos no meu pensamento. Do Lorca, do Neruda, Maiakovski, mas os que saem da minha boca vêm das canções. Talvez porque eu pense que a vida é identificar nosso ritmo, e segui-lo. Que não somos nada além de acordes e sintonia. Como este dueto que hesita em se iniciar. Não! Espere! Agora virá o verso “invento o cais”, ao qual me antecipo:
- Venha!
- Para onde? Ela responde.
Levantei a minha mão e estiquei o indicador por sobre o cinza do asfalto. Apontei a incerteza citadina e disse:
- Para o mar. – Encontraremos o cais. – Venha!