By Helgi Halldórsson from Reykjavík, Iceland (old man) [CC
BY-SA 2.0
(https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0)], via Wikimedia Commons
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Mais uma noite se deita a partir da minha janela. Vem sorrateira, quase que no repente. Quando não se atenta, vem com seu negrume invadir os corações solitários de uma cidade grande. Ouço alguns sons: embora não se calem, os ruídos ficam dóceis e o silêncio importuna. O manto escuro, quase silencioso, se avoluma, se espalha, infecta como numa epidemia de languidez até que, até que; acendo a luz para espantá-lo. Com suas paredes claras, minha casa agora me protege do escuro sombrio, que está lá fora. Então digo de súbito:
- Laura! Estamos no claro.
Meu coração se petrifica: há anos a Laura não está aqui. Poderia dizer que ela me abandonou, mas não foi pela sua vontade. A cidade a levou com sua vida e deixou-me o abrupto da sua ausência. Ela poderia e talvez quisesse ir bem mais tarde. Mas a convalescença a deitou naquela cama para que o perecer tirasse seu corpo. Laura! Laura! Não me abandone. Não faça da minha vida um vácuo de sentimentos. Não deixe a minha voz falar sozinha. Como gostaria que você voltasse, sentasse ali com aquele chá de frutas, que tanto apreciava, e me olhasse com seus olhinhos miúdos. Um tanto alegres, mesmo na súplica de lágrimas, mesmo nos momentos mais tristes. Ainda não disse todos os “eu te amo” que deveria dizer para ti. Ainda não acarinhei tua pele macia e clara tantas vezes quanto gostaria.
Sento-me e penso nos poucos dias que estive com ela. Dos outros tempos, apenas uma palavra me vem: desperdício! Gostaria de ter alcunhado os meus anos com outra palavra. Talvez algo mais ameno como ordinário, mas não na acepção desdenhosa que tanto ouvimos pelas ruas. Gostaria de ter sido apenas uma pessoa comum, dentre tantas que conhecemos. Alguém que nada inspira além de uma frase roubada de outrem num contato de whatsapp, adornado por uma face sorridente à frente de um momento de anos atrás. Destes mesmos anos que me levam para o ocaso, dentro de uma demência que mal posso medir ou sentir, porque sou eu quem me avalia dentro de uma conjunção de circunstâncias. Grito: o que fiz? Não importa! A pergunta mais correta é: o que deixei de fazer? Eu persisto na tentativa de me enganar com questões irrelevantes, faço-me perguntas insensatas, talvez oriundas de vestígios de autocomiseração. O que deixei de fazer? Deixei de amar? Se nem mais sei diferenciar verdade de ilusão, deixei de lutar por aquilo que acredito?