sábado, 29 de setembro de 2018

The Forgiveness Refuge (O Refúgio do Perdão)

National Portrait Gallery (London) - Vilhelm Hammershøi - Interior

I no longer have the silence where I took refuge, because there is no more stillness in my soul. I would like to absolve myself of the past elapsed, with the indolence of the abandonment of dreams, with the isolation of my will. I met interesting people as well as those just interested in what I could give. I got drunk on endless confraternities and parties in an attempt to find what does not exist inside me and thus, unfortunately, the building of who I am has been lost in the obsolescence of who I wanted to be. As a consequence, the perseverance of living found the astonishment of solitude. Yes! By her I knew the world, I wandered through the cultures and I ate with the miserable people. I have watched the vast and beautiful landscapes of this world, the humid breezes of the woods far from the roads, the forgotten streams near the mountains, the exotic cities from places so far away that I can hardly find them on the maps. For her I thought that happiness was a gift of love and passion was the permission of the insistence on desiring her, even without having her by my side to say:

- Laura, I'm home!

I opened the door, but nobody is in the room. For a moment, an icy feeling almost interrupts my breathing. I do not know how long my hesitation held me by the doorframe. It may have been seconds, but they haunted like an eternity. The sofa was there, on the way I saw it when I left the house. There was nothing different, except a terrifying silence. So, I insisted with a firmer and more intense voice, hoping to be heard.

- Laura

My footsteps dragged my body through the tight rooms, avoiding the furniture and penetrating in the gloom imposed by the closed windows. I thought of hate. Not in mine, because I am unable to keep any intense feeling, but in hers. I left her smile with the sure that she would be better without my prostration. For having the conviction that the cheerful drawing of her lips would adorn her through the sweaty days, without the storm of my presence. Deserved relief, or the redemption for the false desires. But I know it was not this way I really thought. They are only excuses of obtuse reasoning that only served to push my will into the distance, as far as I could go from the realization of my unhappiness. And then, in the emptiness, without the exercise of living, it is where feelings grow. Through longing, love grows. Through heartache, hatred expand itself. However, before I could be certain, my walk threw me into the bedroom where she was.

- Laura!

It was her face, but it was not her, or it was not who I knew. There was no expression like contentment, sadness or anger. Not even the hate. There wasn't no gleam in the eyes and barely there was a looking. And I had no explanation, I had no reason and I had no wanting. We were without anything because we were nothing apart. We were speechless because we had been silent for a long time. We were without passion because we exhausted it in the few months after we met. We were not there, where we've never been. Of all, there were barely any remembrances of entwining bodies, of lying phrases of support and of deceptive yearnings that should not be nurtured. A solitary man and lonely woman who shared their immense and immortal isolations.

- x - 


Não tenho mais o silêncio onde me refugiava porque não há mais a quietude na minha alma. Gostaria de me absolver do tempo passado, com a indolência do abandono dos sonhos, com o isolamento do meu querer. Porém, infelizmente, a construção de quem sou se perdeu na obsolescência de quem eu queria ser. Encontrei pessoas interessantes, bem como aquelas apenas interessadas. Fiquei bêbado em intermináveis confrarias e festas numa tentativa de encontrar o que não existe dentro de mim. Como consequência, a perseverança do viver encontrou o espanto da solidão. Sim! Por ela conheci o mundo, vaguei pelas culturas e comi com os miseráveis. Observei as paisagens amplas e belas deste mundo, a brisa úmida dos bosques longe das estradas, os riachos esquecidos perto das serras, as cidades exóticas de lugares tão distantes que eu mal consigo encontra-los nos mapas. Por ela pensei que a felicidade era um presente do amor e a paixão era a permissão da insistência em desejá-la, mesmo sem tê-la ao meu lado para dizer:

- Laura, cheguei!

Abri a porta, mas ninguém está na sala e, por um momento, um sentimento gelado quase interrompe minha respiração. Não sei quanto tempo minha hesitação me prendeu junto ao batente. Podem ter sido segundos, mas assombraram como se fossem uma eternidade. O sofá estava lá, do mesmo jeito que o vi quando fui embora. Não havia nada diferente, a não ser um silêncio aterrador. Então, eu insisti com uma voz mais firme e mais intensa, na esperança de ser ouvido.

- Laura

Os meus passos arrastavam meu corpo pelos cômodos apertados, evitando a mobília e penetrando na penumbra imposta pelas janelas fechadas. Pensei no ódio. Não no meu, porque sou incapaz de guardar qualquer sentimento intenso, mas no dela. Eu deixei o seu sorriso por ter a certeza de que ela estaria melhor sem a minha prostração. Por ter a convicção que o desenho alegre dos seus lábios a enfeitariam pelos suados dias, sem a tormenta da minha presença. Um alívio merecido, ou uma redenção pelos falsos desejos. Porém, eu sei que não era desta forma que eu realmente pensava. São apenas escusas de raciocínio obtuso que serviam apenas para empurrar minha vontade para o longe, o mais longe que eu pudesse ir da constatação da minha infelicidade. E então, no vazio, sem o exercício do viver, é onde sentimentos se avolumam. Pela saudade, cresce o amor. Pela mágoa, agiganta-se o ódio. Entretanto, antes que eu pudesse ter qualquer certeza, meu caminhar me jogou para dentro do quarto onde ela estava.

- Laura!

Era o rosto dela, mas não era ela, ou não era quem eu conhecia. Não havia nenhuma expressão como contentamento, tristeza ou raiva. Nem mesmo ódio. Não havia brilho nos olhos e mal havia um olhar. E eu não tinha explicações, não tinha razões e não tinha o querer. Estávamos sem nada porque não éramos nada separados. Estávamos sem palavras porque estas já tinham se calado há muito tempo. Estávamos sem paixão porque a exaurimos nos poucos meses após nos conhecermos. Não estávamos lá, onde nunca estivemos. De tudo, mal restou algumas lembranças dos corpos se entrelaçando, das frases mentirosas de apoio e dos anseios enganosos que não deveriam ser nutridos. Um homem e uma mulher solitários que compartilhavam seus imensos e imortais isolamentos.


terça-feira, 11 de setembro de 2018

Wings of Icarus (Asas de Ícaro)

Science Museum (London)

This indolent horror persists from dawn to the nightmarish storms. It preaches in my ears its melancholic litany with an atonal and dragged voice. The sound looks like grieve song; which impregnates my reason and indelibly pervades itself in the few yearnings that survived through the years. For more there are thoughts that try to abstract me; for more charms that parade through my iris, the continuous whining deafen the daily life and eclipse my horizon, if there is one. I well know that there is a day after the night that is approaching, but I also know that this day will not be different from what has passed. There is no difference between the weeks, the months and the years when there is no longer the chilling of hope. Life has ended on a precipice and the next step will not have the future.

It was not always like this. Before, the beauty was seen and felt by a young look that opposed the transgressions of civility that spread through the streets. Happiness was translated by dreams, and the city faded into nonexistent colors, robbed of the imagination of other moments captured by sensibility. The gray was painted with paintbrushes of trust in life. The colors of Van Gogh spellbind the instants and there was a woman. The same woman who had the soft traces of seduction, the glitter of passion in her look and the touch of silk in her hands. She was there with her dresses dancing with the breezes, with her perfume rivaling the flowers. She was beautiful and still is what I remember. Life was an endless road with her. With her I could lose the track for a moment, but the road was never far away. The designs of fertility were in everything: at work, in sex, in family, in friends, and in everything that was seen. Feeling was a consequence of experiencing and dreaming was synonymous of accomplishment. I needed to fly.

I do not understand the reasons for nonconformism of human being. Even when we are happy and healthy, we have the urge to venture into the unknown. Perhaps we are motivated by the fear of emptiness or, what is equivalent, by the dread of stagnation. Our inner self is noisy and has aversion to silence and, when the ideas are silenced, the desires are buried. Thus, we begin to walk through the life as puppets in the invisible hands of quotidian. Our spontaneity becomes a shadow in the penumbra and scarcely could be perceived that it exists. The streets stretch across the city and the gray come back to tint all the urban environment. The decadence of the town stampedes itself in the eyes, the foul odor takes away the supposed perfume and the garbage dumps in the bowels of the perception. Slowly the perishing is approaching until that old dream of flying comes.

And we flew into space without roads.

And I flew away from you.

-- x --

Este horror que se deixa indolente, persiste desde a aurora até a tormenta dos pesadelos. Prega nos meus ouvidos sua ladainha melancólica com uma voz atonal e arrastada. Parece a de carpideiras e se impregnam na minha razão e velam de forma indelével os poucos anseios que sobreviveram aos anos. Por mais que existam pensamentos que me tentam abstrair, por mais encantos que desfilam pela minha íris, os lamentos ensurdecem o cotidiano e eclipsam o meu horizonte, se é que há um. Eu bem sei que há um dia depois da noite que se aproxima, mas eu também sei que este dia não será diferente deste que passou. Não há diferenças entre as semanas, os meses e os anos quando não há mais o acalento da esperança. A vida terminou num precipício e o próximo passo não terá mais o futuro.

Nem sempre foi assim. Antes, a beleza era vista e sentida por um olhar jovem que se opunha as transgressões de civilidade que se espalham pelas ruas. A felicidade era traduzida pelos sonhos e a cidade se fantasiava em cores inexistentes, roubadas da imaginação de outros momentos capturados pela sensibilidade. Pintava-se o cinza com pincéis da confiança na vida. Cores de Van Gogh alucinavam os instantes e havia uma mulher. A mesma mulher que possuía os traços suaves da sedução, o brilho da paixão no olhar e o toque de seda em suas mãos. Ela estava lá com seus vestidos a dançar com as brisas, com seu perfume a rivalizar com as flores. Ela estava linda e ainda o é naquilo que me lembro. A vida era uma estrada infinda com ela. Com ela, eu poderia perder o rumo por alguns instantes, mas a estrada nunca ficava distante. Os desígnios da fertilidade estavam em tudo: no trabalho, no sexo, na família, nos amigos e em tudo que se via. Sentir era consequência do experimentar e sonhar era sinônimo de realizar. Eu precisava voar.

Eu não compreendo as razões do inconformismo do ser. Mesmo quando estamos felizes e saudáveis, temos o impulso de nos aventurarmos em direção ao desconhecido. Talvez sejamos motivados pelo medo do vazio ou, o que é equivalente, pelo temor da estagnação. Nosso íntimo é barulhento e tem aversão ao silêncio e, quando as ideias se calam, os desejos se enterram. Assim, começamos a passear na vida como fantoches nas mãos invisíveis do cotidiano. Nossa espontaneidade vira uma sombra na penumbra e mal se pode perceber que ela existe. As ruas se estendem pela cidade e o cinza volta a matizar todo o ambiente. A decadência da urbe se estampa nos olhos, o cheiro fétido arranca o perfume suposto e o lixo se avoluma nas entranhas da percepção. Lentamente o perecimento se aproxima até que vem aquela antigo sonho de voar.

E voamos para o espaço sem estradas.

E eu voei para longe de ti.

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...