Tom Murphy VII / CC BY-SA (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/)
Nos tempos decorridos quando eu mais perambulava pelas incertezas imaturas, do que tinha planos confiantes, um livro se materializou na minha frente. Obviamente não o ganhei porque nunca recebi presentes deste tipo. Também não o emprestei porque ele se acomodou numa das minhas bibliotecas por muitos anos. Até se perder misteriosamente diante da minha vida nômade daqueles tempos. Provavelmente o comprei em alguma livraria, embora eu não me lembre delas naquela pequena cidade onde vivia. Ou talvez, quando eu passei em frente a livraria do Pontes em Campinas, eu tenha vislumbrado aquela brochura branca e fina, com uma imagem sépia propositadamente desbotada de uma figura de mulher desenhada em ponta de nanquim. Curioso eu não me lembrar da imagem da mulher da capa, mas de outra que estava dentro do livro, emoldurada por uma janela, com uma das mãos segurando o semblante. De qualquer maneira, não foi a figura que me atraiu, pois apenas adornava o título “Herdeiros da Sombra”. Para aquele garoto sombrio, a associação de herdar algo tão soturno soava estranhamente muito familiar, como as Mulheres de Atenas do Chico, ou o muro do Pink Floyd. Tudo me atraía dentro da aridez de pensamentos solitários e eternos, sem contestações dentro do silêncio cotidiano e sem aquelas alusões imersas nas conversas prolongadas para dentro das noites de inverno. Foi o primeiro livro que nunca esqueci, foi o meu primeiro autor dentro de uma lista muito restrita que poucos acompanham. Régis foi e continua a ser um dos poucos que escrevem comigo e que comunga a profundidade da existência, ao mesmo tempo melancólica e feliz. Paradoxal e real, sombra e luz, talvez um não viva sem o outro, ao perceber que o que brilha é tão solitário quanto o negrume, quando um deles não existe. Passeava pelos contos curtos e profundos e pelo mistério existencial que se esboçava nas imagens cotidianas, sem perceber que o garoto rapidamente amadurecia num sentido, e se despojava dos seus sentimentos para permanecer entre as pessoas, que mal conhecia. Pois eu somente visitava e conversava com aqueles personagens que herdaram as sombras da vida.