Eu sempre gosto de começar a escrever a partir de uma palavra. Qualquer uma, pois sempre haverá um mistério que se esconde nas dimensões culturais e semânticas dos vernáculos. Aquela ideia ingênua de que a palavra sustenta uma comunicação, um tanto falaciosa, pode se traduzir em uma espécie de intersecção entre os universos de cada um, que poderia até ter a chancela de uma cultura homogênea, caso a nossa fosse, mas depende de tantas inferências e experiências sociais distintas, que a uniformidade e precisão de qualquer forma de comunicação falada ou escrita é intangível. Ainda mais se considerarmos o palavreado escrito, desprovido de emoções visíveis e decifráveis pelo ouvinte, que poderiam “adjetivar” sentidos e sentimentos. A palavra é apenas um vestígio delével pelo tempo, foco e atenção insuficientes. Um resumo de pensamento muito sintético quando coloquial. Uma porta entreaberta e ignorada pela urgência imposta pelo cotidiano. Não que eu vá me abster, porque meu relativismo de pensamento é atraído pela ligação entre substância, pensamento e vocábulo, de uma forma semelhante que outrora era atraído pelas silhuetas suaves das eternas passantes pela minha vida. Então, a palavra é para mim de uma alma feminina, envolta no enigma que o muro social de gênero se edificou naquele meu passado, e desviou a minha compreensão do que sempre pensei ser afim: a masculinidade. Minha mente começa a ser lentamente provida de uma clareza e, dentro da compreensão, percebo que mesmo esta pretensão cognitiva pode ser uma falácia, ao mesmo tempo em que me aproximo da percepção de convergência entre o que sou e o feminino. Dispo-me de prazeres porque eles entorpecem, como também deponho os preconceitos que não são nada mais do que atestados de ignorância. A mulher que surge é sofrida e mal compreendida, forte e eterna. Algo como a Pachamama, que guarda em seu ventre, quem somos e poderemos ser. Então, não usarei uma palavra, mas a ambiguidade de uma expressão de uma canção que não consigo cantar, embargado em lágrimas em emoções de um tempo que nunca vivi, apenas que me está presente dentro da convicção que se forma de uma humanidade cuja burrice tem milhões de kilotons: Rosa de Hiroshima.
Poderia falar de outras rosas, como as que estão nos jardins de Nancy, ou da Luxemburgo, cuja coragem ainda boia no Landwehrkanal. Porém, todas são rosas, de belezas que não só são contempladas pelas retinas alheias, que também passam, mas também apreciadas pelo foco da miragem que a beleza em si se reflete na alma: sem formas ou normas, apenas elegância e fluidez diante de um contraste com elementos que tentam destruir a harmonia e a fraternidade entre as pessoas. “Pensem nas meninas, cegas, inexatas e nas feridas como rosas cálidas”. A palavra nasce em mim como uma mulher daqueles tempos românticos, algo idealizado, impossível e impassível perante minha sensibilidade. É a mulher com quem deito meus delírios e martírios. Para quem eu canto e sou devoto, no nexo e no sexo, por todo aquele tempo de vida que alcunho como eterno e passageiro ao mesmo tempo. Minha transitoriedade desapercebida na juventude, reveste de poesia todo meu canto de pássaro. Um canto que existe apenas por si mesmo, com poucas emoções e alguma técnica. A mulher sempre voou para longe, enquanto cantava nos galhos de aqui e acolá, na medida que a canção mudava o tom com o sempre inclemente e perspicaz tempo. A lágrima não está mais naqueles corpos fugidios das paragens, nem na estética que às vezes me olhava, indiferente ou não. A lágrima agora vem das profundezas de um coração que evita ser petrificado. Está na cegueira, na inexatidão e nas feridas de um aglomerado ao qual chamamos sociedade.