segunda-feira, 12 de abril de 2021

Ir

 

By Dietmar Rabich, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=86318874

Ir! Tão somente ir! Sinto-me carregado pelo tempo à deriva da minha vontade, porque há pecado no querer chegar a nenhum lugar. Avilto as paisagens ao meu lado, e os ombros que se esforçam em me acompanhar. Àqueles que suponho próximos, diria que o destino obriga a urgência, ou que preciso negar as paradas que dariam permissão ao alcance. Uma forma transviada de pensar que afirma que parar é perecer e não há tempo para refletir. Onde está a contemplação? Cadê aquele brilho pranteado nos teus olhos que reflete as luzes apossadas como tuas? A mesma beleza com sutileza melancólica que te acompanha, nega-me a formosura de sentir teus beijos e toques. Sou o oposto do narciso ao procurar a feiura destes passos constantes que derramam distâncias entre nós. Só percebo sombras de indecifráveis imagens e corpos que se misturam aos seus numa peregrinação ímpia dentro da cidade. São pessoas ou criaturas que nego significância. Talvez por rancor ou temor, de mim ou de todos. Minha prisão é o meu andar para além daquele olhar que repousa no longe, na inconsistência de não saber para onde ir, e apenas ir. Perco-te pela fraqueza do querer.

E não quero aqueles embaralhados em ti, apenas te quero sem te querer. Despida de desejos que te despem. Sou apenas uma despedida que pende nas tuas mãos, na ilusão do que fui ou poderia ter sido para dentro do teu mundo. Decerto podemos construir amor em entes que são reflexos de nós, em parte, e de quem queremos ser, na totalidade. Mas amar é antes um exercício do que uma condição, que não combina com adeus, que não harmoniza com distâncias. Não sei o que é o amor, nem me cabe saber como andarilho por tudo que fica na passagem. Apenas suspeito de que amar no longe é apenas uma miragem. No perto, são gostos que se alastram para dentro da sensibilidade, por todos os sentidos e poros. Amantes são déspotas e condescendentes ao mesmo tempo. Pois nada são, ao mesmo tempo que são tudo. 

A estrada se deita na minha frente e me convida para a andança. Preferiria a dança que sente teu cálido ventre, num bailar eterno que entrelaçaria nossas mentes e sonhos. Mas onde você está nesta estrada que não para de vir? Agora eu te quero com desejar, talvez porque não mais te vejo ou sinto. 

Um comentário:

  1. Celebramos hoje o DIA MUNDIAL DA ARTE, pela data deixo meus parabéns pois
    você é um grande poeta, abraços!

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