Eu poderia comentar sobre o tempo
preso em momentos do passado.
Talvez eu possa sentir até o alento
de novamente estar em ti abraçado.
Há crueldade no passar dos dias, que cada vez mais me distancia de ti. Minha memória envolta em névoa dificilmente te desenhará nos meus desejos. Não sou mais aquele homem que tanto te beijou, mas eu queria voltar a ser tão real dentro desta minha memória, como o fui lá naqueles dias. Teu gosto abandonou minha boca e meu tato já não mais te toca. Só há um pequeno lembrete, amarelado pelos anos, da certeza de que te amei. Só há pequenos traços de reminiscência, que ainda te coloca em minha cama.
Nestes eu me lembro do teu olhar enigmático que decifrou os meus desejos enclausurados. Teus cabelos morenos e curtos ainda varrem meu rosto, trazendo a tua fragrância, sorvida para dentro de mim. Sentia teu calor nos lábios que me beijavam com ares de eternidade, com pretensões de tatuagem. Algumas vezes vi tuas lágrimas atravessarem o rosto, acompanhadas por vozes de timbres ásperos; outras vezes vi teus sorrisos que despertavam o ânimo pela vida.
Eu poderia falar daquele tempo
estreitado dentro do meu coração.
Hoje nada mais é do que um lamento,
que me perdoa como uma oração.
Por mais que eu tente, não consigo reviver aquela mulher divinizada que está lá no pretérito. Ela fugiu dos meus sonhos e do meu corpo. Seu rosto ainda permanece adornado com o sorriso, estampado dentro de desejos incontidos da saudade. Mas não consigo mais senti-la com a senti. Tua ausência decretou tua morte em mim, sem permissões para renascer em outra pessoa, sem os auspícios do querer. É como um retrato na parede, pendurado no esquecimento por onde meu coração passa.
Um retrato na ampla sala de quem sou, sem mais as confissões dos infortúnios, sem mais as promessas de amor. Apenas um retrato calado na memória, no meio das tralhas que colecionei pela vida, entre outros retratos e recordações. Mesmo que única, ainda está ali sem estar definitiva e eternamente no esquecimento.
Eu poderia calar sobre aquele tempo,
diante da mudez que a solitude impõe.
Nada foi mais do que um encantamento
que apenas uma vasta solidão supõe.
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