Antes eram os fragmentos das paixões. Agora os anos os tornaram mais contemplativos. Com o tempo, o pensamento adulto se transforma numa mistura de lógica e emoção, e a intensidade dos arroubos é entregue mais pela personalidade do que pelos hormônios.
segunda-feira, 5 de janeiro de 2015
Fernanda Torres - Fim
No livro "The First Five Pages", de Noah Lukeman, é aconselhado atrair e seduzir o leitor (no caso o editor) nas primeiras cinco páginas do livro para que este não vá para a pilha de rejeição. Sol Stein também sugere algo semelhante. Assim, começarei pelo primeiro capítulo do trabalho de estreia da autora, que tem o título "Fim". Deste a leitura do livro "O Amante do Vulcão", da premiadíssima Susan Sontag, eu tenho a nítida impressão de que as escritoras somente conseguem enxergar e desenvolver dois tipos de personagens masculinos: aqueles exageradamente romantizados (no caso do Amante), ou aquele tipo totalmente vazio de ideias que apenas toca a vida com gracejo e certa melancolia. A Fernanda não foge a esta regra, mas optou pelo segundo estereótipo, em todos os principais personagens masculinos apresentados. Começa a história em primeira pessoa num ritmo frenético (com a técnica de frases curtas e mudanças abruptas no tempo da narrativa), muito rápido para a introdução de uma dezena de personagens em diversas linhas de tempo. A certa altura eu confundi quem era quem e se o protagonista estava a pé ou de carro. Estava de carro, mas no final fica a pé. Há também o conflito de querer emburrecer o coitado, mas citar um detalhe um tanto erudito. De qualquer maneira, é divertido, bem pesquisado e bem escrito. Eu o colocaria na minha pilha de rejeição, mas pelas características positivas eu me permiti continuar. Espere-me um pouco mais, querida Herta Müller.
A narrativa passa para a terceira pessoa e um personagem do primeiro capítulo é pescado para continuar. As frases são maiores e mais introspectivas. Há uma elegância no escrever que caracteriza uma mulher, é claro. E pequenas histórias seguem numa sequência muita rápida, com linhas de tempo concomitantes, futuro e passado misturados, personagens brotando às dezenas, variação de discurso em primeira e terceira pessoas. Em um determinado ponto eu fiquei cansado de retornar páginas e mais páginas para tentar compreender onde eu estava. Tanto que lá pela página 100 eu cogitava desistir.
Porém, depois da metade do livro a história fica mais clara e, assim, também atraente. A confusão gerada pela aparente aleatoriedade entre a utilização da narrativa em primeira e terceira pessoas é desfeita quando se percebe que os protagonistas do "fim" falam em primeira pessoa. Isto é, quando cada um dos que vão falecer falam do dia derradeiro. Para o povaréu restante, a autora preferiu a onipresença intrusiva da terceira pessoa. Um recurso arriscado que ela preferiu correr.
Em todo caso, talvez mais pelo excesso de idas e vindas do texto, os personagens vão se revelando pouco a pouco. A confusão do tempo permanece, o excesso de alternância entre cenas e personagens também, mas num ritmo menor. A construção retalhada finalmente mostra que a história caracteriza o que eu poderia designar como tragédia carioca dos anos 70. É exagero ou restritivo apenas regionalizar como "carioca"? Talvez, mas a minha vida naqueles anos transcorreu entre São Paulo e Rio. Obviamente eu percebia que existiam nuanças específicas entre os impactos daqueles anos nas duas sociedades. Isto para mim justifica o "carioca", embora que o principal está no livro: o desmoronamento da família e a explosão da individualidade. Todas as consequências sociais da crise do petróleo de 1973 não foram mostradas. Não era a intenção da história (ou das histórias) a caracterização da metamorfose dos personagens (como no Mudança do Mo Yan), a não ser para a melancolia derradeira de vidas levadas ao extremo, e daqueles que as acompanharam.
quinta-feira, 25 de dezembro de 2014
Feliz 2015
O curioso desta época de festas é transformação que sempre ocorre com as pessoas: lembram-se dos sucessos e insucessos do ano que se finda, e planejam o porvir. É sempre um tempo de reflexão e esperança, onde se procura algum desacerto para corrigir e se empenha toda confiança nos dias que estão ali, após a virada do réveillon. A questão mais básica para se refletir é se fomos felizes neste ano que está literalmente com os dias contados. Felicidade, insumo básico do bem estar da vida, é uma espécie de conceito vago, abstrato e subjetivo. Sempre a desejamos para aqueles que moram em nosso coração, e às vezes até para aqueles com quem travamos as mais sérias bravatas. Tudo dependerá do quanto nossa alma é altruísta. Felicidade não se compra, embora tenhamos a impressão de que posses materiais a garantiriam. Felicidade não se dá, embora possamos inspirá-la com nossa alegria e positividade. Felicidade é quase como aquele sonho que se tem acordado, onde imagens que nos confortam transitam pela mente, trazendo um estado de bem estar sempre pressentido por entre as horas do cotidiano. Então devemos perguntar a nós mesmos, fomos felizes? Na aritmética imprecisa do nosso íntimo, o balanço das realizações sobre as vicissitudes pode redundar uma conclusão que não. Então devemos identificar o que nos afetou, mas de uma forma isenta de emoções impuras, aquelas que estão mais ligadas aos fatos de infortúnio do que ao que ocorre no nosso íntimo. Depois devemos planejar como evitar ou refutar os mecanismos pelos quais as situações incômodas ocorreram. Talvez isto seja simples, ou talvez não. Neste último caso, devemos nos apoiar naqueles ou naquilo que nos navegaria por mares mais calmos.
Por outro lado, a aritmética pode nos dizer que fomos felizes. Então, devemos cruzar os braços e esperar que a inércia nos traga outro ano feliz? Definitivamente não! A vida é deveras dinâmica para que esperemos pelas realizações. Precisamos nos inspirar, nos motivar, sonhar, viver uma vida digna de ser vivida. Podemos ajudar aqueles que estão ao nosso redor, ou mesmo mais longe. Podemos confortar os que não foram brindados por este sentimento gostoso de alegria cotidiana. Podemos lutar contra a injustiça, a corrupção, a malversação. Podemos tanto, mas tanto mesmo! Basta começarmos.
Feliz 2015.
sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
Constatação
Não há nada neste quarto, nem uma sombra de quem já foi. Não há nada além de objetos que não representam nada além de funcionalidades. Mesmo naquele quadro da Toscana, pendurado quase no canto, não há ninguém que caminha pela relva. Nem a aquarela de Ouro Preto, nem o lenço do Azerbaijão, nem o perfil em relevo de Pablo Neruda dão mais as mãos para quem quer que seja. Assim, uma lágrima percorre meu rosto, mas não é de comiseração, nem de autopiedade. Eu diria que ela é apenas uma testemunha líquida da represa no meu peito, que estanca séculos de paixões. Na imensidão do meu coração, os dias passam escorregadios, sem rédeas que os levem para a felicidade. Um após o outro, são marcados com um xis de passado. Um após o outro levam os sonhos para o cemitério do esquecimento.
domingo, 26 de outubro de 2014
Madrugada de Domingo (La Madrugada del Domingo - versión española).
Pronto estará claro. El sol va a barrer las sombras ya desvanecidas de los objetos. El silencio de la adelantada madrugada va a ser una samotana de sonidos tintineantes de las cosas que deshacerse del frío, aunque no tan intenso. No habrá cantos de gallos porque no hay más patios en la ciudad agrisada. Habrá apenas insistentes píos de gorriones adentro de los árboles olvidadas y sobre los tendederos de filos que llevan la modernidad para adentro de las residencias. Después vendrán los coches y los autobuses, aumentando el volumen para estruendos de civilización.
Pero, por mientras, estoy solo con las calles desiertas y mal alumbradas por las esparcidas bombillas. A veces, un perro protegido por verjas asusta mío caminar. A veces, bultos hacen mi fisonomía verter seriedad, para después si aligerar al constatar los borrachos de fin por la noche. Desatinados y largados en el bordillo, acompañados o no de botellas vacías. O acompañados de la misma soledad que se abulta por el negror del cielo. Soledad que esconde los horizontes, los porvenires y el destino de la misma forma que el negro de la obscuridad. Y de la misma forma que la vida baldía, que está esparcida entre la acera y la calle, bebo la soledad por el gollete y abandono mi ánimo por la vida mal iluminada. Con las mismas ropas arrugadas y desarregladas, visto la infelicidad andrajosa.
Sin embargo, a sí mirar mejor para uno de ellos, percibo el blanco de una camisa fina, allende de una botella de Stolichnaya al lado, con por lo menos un trago adentro, casi a si derramar en el suelo. Sospecho que no estoy delante de alguien de lo populacho. Qué me lleva a pensar que la miseria de la mente conduce el alma para alguna forma de pordioseo. No le daré una moneda porque él no necesita, ni puedo dar mi complacencia porque yo no preciso. Los caminos nos llevan para lugares distintos y aquel cuerpo es apenas más uno delante de tantos que cruzo. Mantengo mis pasos, mismo cuando ellos me llevan para un rumbo incierto. No hay tanta benevolencia franciscana en mi vida para parar por algunos minutos. De todos modos, él no me parece despierto. Creo que suya vista apenas busca la obscuridad que está tras de mí para olvidar que tiene un mundo a suyo rededor. Así, ignorándolo, sigo enfrente.
Atravesé las calles por diversa veces. A veces me sentía bien del lado impar de las casas. A veces esto me incomodaba y yo perfilaba con los pares. No me pregunten las razones para esto. En la falta de lo que hacer yo invento todas las formas de motivo, como aquél que me llevó a salir del bar y caminar casi 15 kilómetros hasta mi casa. Percibo qué hay pocos coches estacionados y disponibles para ser robados. No que yo tenga intención de hacerlo, pero no solamente mi vida abatió: todo parece desmoronar en estes tiempos sombríos. Caminar por la madrugada y estacionar coche en la calle son cosas para locos.
Es verano y no hay orvallo para brillar en los primeros rayos de sol. Es una pena porque me gusta ver la humedad avanzar por las paredes para después lentamente secar. Parece un movimiento que baila con el sol y da vida a estos muros descoloridos. De todos modos, son casi cinco horas y yo veré apenas las construcciones se accedieren más. Veré el marrón de los tejados de las pocas casas y la ceniza de las rejas clarearen. Parece que el negro de los portones también clarea. Luego oiré los ruidos, veré las personas. Éstas por cierto un poco más tarde, porque es domingo y ellas desfilan sus perezas matutinas en casa, debidamente autorizadas por el calendario. Veré los chuchos que ladraban en mi camino. Los drogodependientes a salir de sus paquetes nocturnos. Los borrachos tropezando en sí mismo a caminar para sus lares, cuando hubiere uno. Veré la portería de mi edificio y nadie a esperarme.
No me veré porque no se ve lo que no se comparte. Es por el foco de la pasión que nos percibimos.
sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Madrugada de Domingo
Logo mais estará claro. O sol varrerá as sombras já esvaecidas dos objetos. O silêncio da avançada madrugada será barulhado por ruídos tilintantes de coisas que se livram do frio, mesmo que não tão intenso. Não haverá cantos de galos porque não há mais quintais na cidade acinzentada. Haverá apenas insistentes pios de pardais dentro das esquecidas árvores e sobre os varais de fios que levam a modernidade para dentro das residências. Depois virão os carros e os ônibus, aumentando o volume para estrondos de civilização.
Mas, por enquanto, estou só com as ruas desertas e mal iluminadas pelas esparsas lâmpadas. Às vezes, um cachorro protegido por grades assusta meu caminhar. Às vezes, vultos fazem minha fisionomia verter seriedade, para depois se aliviar ao constatar os bêbados de fim de noite. Desatinados e largados no meio-fio, acompanhados ou não de garrafas vazias. Ou acompanhados da mesma solidão que se avulta pelo negrume do céu. A solidão esconde os horizontes, os futuros e o destino da mesma forma que o negro da escuridão. E da mesma forma que a vida baldia, que está espalhada entre a calçada e a rua, eu bebo a solidão pelo gargalo e abandono meu ânimo pela vida mal iluminada. Com as mesmas roupas amarrotadas e desarrumadas, visto a infelicidade maltrapilha.
Porém, ao se olhar melhor para um deles, percebo o branco de uma camisa fina, além de uma garrafa de Stolichnaya ao lado com pelo menos um gole dentro, quase a se derramar no chão. Suspeito que não estou diante de alguém da arraia-miúda. O que me leva a pensar que a miséria da mente conduz a alma para alguma forma de mendicância. Não lhe darei uma moeda porque ele não precisa, nem posso dar minha complacência porque eu não preciso. Os caminhos nos levam para lugares distintos e aquele corpo é apenas mais um diante de tantos que cruzo. Mantenho meus passos, mesmo quando eles me levam para um rumo incerto. Não há tanta benevolência franciscana na minha vida para parar por alguns minutos. De qualquer maneira, ele não me parece acordado. Creio que a sua vista apenas procura a escuridão atrás de mim para esquecer que tem um mundo ao seu redor. Assim, ignorando-o, sigo em frente.
Atravessei as ruas por diversas vezes. Às vezes me sentia bem do lado ímpar das casas. Às vezes isto me incomodava e eu perfilava com os pares. Não me perguntem as razões para isto. Na falta do que fazer crio todas as formas de motivo, como aquele que me levou a sair do bar e caminhar quase 15 quilômetros até a minha casa. Percebo que há poucos carros estacionados e disponíveis para serem roubados. Não que eu intencione fazê-lo, mas não somente a minha vida desabou: tudo parece desmoronar nestes tempos sombrios. Caminhar pela madrugada e estacionar carro na rua são coisas para loucos.
É verão e não há orvalho para brilhar nos primeiros raios de sol. É uma pena porque gosto de ver a umidade avançar pelas paredes para depois lentamente secar. Parece um movimento que dança com o sol e dá vida a estes muros desbotados. De qualquer maneira, são quase cinco horas e eu verei apenas as construções se acederem mais. Verei o marrom dos telhados das poucas casas e o cinza das grades clarearem. Parece que o preto dos portões também clareia. Logo ouvirei os ruídos, verei as pessoas. Estas decerto um pouco mais tarde, porque é domingo e elas desfilam suas preguiças matutinas em casa, devidamente autorizadas pelo calendário. Verei os vira-latas que latiam no meu caminho. Os dependentes de crack a saírem dos seus pacotes noturnos. Os bêbados tropeçando em si mesmo a caminhar para seus lares, quando houver um para irem. Verei a portaria do meu prédio e ninguém a me esperar.
Não me verei porque não se vê o que não se compartilha. É pelo foco da paixão que nos percebemos.
quinta-feira, 9 de outubro de 2014
Religiosidade
Talvez por um descuido na minha formação, ou talvez pela maneira arrazoada como trato os problemas e, por conseguinte, o desconhecido, eu não sou um frequentador assíduo de templos ou locais eclesiásticos. Exceto pelo valor histórico e humanístico das edificações e objetos, bem como sua importância semiótica (motivos mais do que justos para eu visitá-los) eu sempre pensei que a igreja existe no meu coração. Fora dele existem os eventos onde eu aplico o meu livre arbítrio. Às vezes as situações são factíveis de interpretar, outras vezes nos remetem para conjecturas fantásticas. O que não conheço me incomoda, ou incomodava, mas nunca utilizarei uma explicação através de meios impossíveis de se comprovar. Prefiro um sincero “não sei” às especulações mirabolantes. Todavia, dentro do meu coração é onde eu posso encontrar a paz e o divino para prover significação para os meus dias. Pois eu sou um físico. Não no sentido de ofício, mas de formação. E ser físico não é fruto de oportunidades fortuitas que o destino te presenteou. Ser físico representa uma escolha profundamente sedimentada nas minhas convicções. Porém, neste momento eu gostaria de não tergiversar através de estereótipos elegantes ou maquiavélicos do conceito desta formação. As minhas convicções concernem com a questão da indomesticabilidade do meu pensamento, da forma como eu emprego a heurística para prover substância e certezas relativas ao meu raciocínio, e principalmente como eu controlo a emoção para me isentar das preferências de escolha. Poderia agora expandir a frase para: “eu sou um físico que carrega uma medalha de São Judas Tadeu no meu peito”. Mas não sou católico, na assertiva mais aceita da adjetivação. Isto provocou uma espécie de indignação num garçom que conheci em Milão. Ele abriu seus braços quase na amplitude de aplicar um abraço, olhou para o belo teto vitral da galeria Vittorio Emanuele, embora procurasse representar que fitava os céus, e montou uma expressão facial como se dissesse: perdoe-o, ele não sabe o que fala! E eu ainda acrescentei: comprei no Vaticano, e banhei por três vezes na primeira pia batismal que encontrei na Catedral de São Pedro. A expressão virou um balançar de cabeça que dizia: não, não, não, não. Você deve estar pensando por que três? Ah! Na Cabala o número três significa luz. Mas por que não sete, que representa o triunfo do espírito sobre a matéria? Será que utilizei a numerologia, onde o número três regula a criação e a criatividade? Ou utilizei o sistema pitagórico, onde o três é reservado para os artistas e escritores? Bem! O número três foi escolhido apenas por um acordo entre eu e o meu filho para estabelecermos um ritual mínimo, e o seu significado é ainda mais minimalista: gostamos dele! Afora o gracejo, este sou eu: livre, mas que respeita a necessidade de rituais e celebrações com o divino, e que também sente falta do entendimento do meu significado dentro do mundo, dentro da existência e da humanidade.
terça-feira, 2 de setembro de 2014
O Fim do Romantismo
Ela: cansei! Quero ir embora.
Ele: para onde?
Ela: para qualquer lugar longe de você.
Depois disso, o máximo que consegui foi ligeiramente virar o rosto, abaixar a cabeça e olhar o chão. Queria encontrar um lugar para me esconder, para derramar estas lágrimas que insistem nos olhos. Queria me esconder de tudo. De mim, das pessoas do trabalho, da família. De todos e de tudo num rompante de desejo, devidamente bloqueado pela impotência da vontade.
Alguns minutos se passaram dentro de um instante quando pensei que a cobiça pelo desaparecimento era causada pela humilhação, e encerrada neste curto diálogo à meia-noite. Mas não enterrada no esquecimento, nem naquelas imagens que a mente guarda no limbo da percepção. Algo que não existe até ser despertado. O luar penumbra a minha nuca no exato momento em que levanto a cabeça e vejo o seu vestido ondular no longe. Só um grito a alcançaria, mas balbucio. Ah! Os sussurros de êxtase já a abandonaram há muito tempo. Os carinhos estavam preguiçosos, os beijos protocolares e o sexo era apenas sexo. Como se pudesse dizer apenas sexo algo segmentado em longos intervalos. A cama não tinha mais a lascívia de outrora.
A gênese desta hora está no romantismo, ou na sua ausência. Onde eu o esqueci? Quando ele foi embora para logo a levá-la? Não sei se choro por ela, ou por mim. Não mais a quero, é certo. Talvez queira aquela que conheci. E talvez ela ainda a seja. E eu não sou aquele que a conheceu. Ele morreu em alguma frustração, ou no processo de desfalecimento gradual que passei pela vida e que ocasionou o desmerecimento da felicidade. Porém, eu não falo de pieguice, de infantilizações ou alucinações exageradas da realidade. Falo do romantismo que a olha profundamente nos olhos e, despido de palavras, diz para ela que a desejo como nunca antes a desejei. Em todo dia, todo momento que sinto a sua presença, delatada ou não pelo seu perfume preferido. Falo do romantismo que a abraça diante dos seus infortúnios e diz para ela, sem as palavras, que ali está o refúgio de todos os problemas. Um cantinho no meu peito para ela sonhar. Quando falo com palavras, estas soam como poesia. Como algo que desenha um sorriso no canto da sua boca.
Não sou filósofo para pensar nas razões, nem quero, o fato é que o meu toque não é nada além do tato. O tato do meu beijo não é nada além de um carinho, e o carinho não é nada além de um toque. Eu mesmo não sou nada além de um homem comum, que passa pela vida sem pressa. Que apenas passa.
sexta-feira, 11 de julho de 2014
Pirâmides
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pyramids_of_Geezeh.jpg
No WECIQ2006 (primeiro simpósio sobre computação quântica no Brasil) eu assisti a uma palestra do Amir Caldeira, que na época era o físico mais citado da nossa terra. Em determinado ponto ele comentou sobre a possibilidade de confinar elétrons num arranjo piramidal dentro de uma estrutura arseneto de gálio. Simplificando, o confinamento destes elétrons na estrutura possibilitaria a observação dos efeitos quânticos que precisamos para a construção de um computador quântico. Além disto, e mais importante, o Caldeira enfatizou que uma estrutura deste tipo poderia satisfazer todos os critérios de Di Vincenzo.
Xi! Apareceu uma nova figura com nome italiano! Tutte buona gente! Di Vicenzo é um pesquisador da IBM que propôs cinco critérios que, se obedecidos, levariam à implementação de um computador quântico que definitivamente funcionasse. Em outras palavras, aqueles 20-25 anos que se estimavam para uma versão comercial de um computador quântico poderiam estar superestimados. Bem! Oito anos se passaram e ainda não temos nada parecido na Apple Store. Parte disto se deve a questão de que um computador não é somente feito pelo hardware. Há também a questão do software. Ou, ainda mais fundamental, a questão matemática do software,
Mas, por que queremos tanto um computador quântico? Os computadores convencionais nãos nos servem? Já podemos tocar nas telinhas, ver objetos em três dimensões, jogar com impressionante qualidade visual e ótimos efeitos sonoros, falar para que eles nos entendam, etc. Porém, os computadores ainda são burros. Por mais funcionalidades que adicionemos neles, comercialmente não temos nada além da capacidade de processamento de um cérebro de uma mosca porque tudo fica limitado a algoritmos ou programas que são armazenados e executados no computador. Se o computador quântico puder ultrapassar esta barreira algorítmica, com uma rapidez monstruosamente maior, certamente ele viria de encontro para promover uma nova revolução na humanidade. Quem sabe se não seja possível implementar a “verdadeira” inteligência artificial?
Mas nem tudo são flores. Em 2000 o Clay Mathematics Institute of Cambridge anunciou o que foi denominado como The Millennium Prize Problems. Ou seja, sete problemas cujas resoluções darão prêmios de um milhão de dólares cada. De lá para cá, apenas um deles foi solucionado, exatamente a conjectura de Poincaré pelo russo Grigori Yakovlevich Perelman. A despeito do folclore de ter um cientista emblemático barbudo e desempregado, que recusa por duas vezes um prêmio de um milhão de dólares (ele também recusou o prêmio EMS e a medalha Fields), um dos problemas não resolvidos da lista do Instituto Clay é sobre a equivalência dos problemas P e NP. Em palavras, estas siglas significam problemas fáceis de achar a solução, para a primeira, e fáceis de verificar a resposta para a segunda. Além de muita matemática para ambas. A questão é que este é o tema central que definirá as perspectivas dos computadores quânticos. Os computadores convencionais trabalham melhor com os problemas P, ao passo que os quânticos apenas evoluíram para algo que chamamos de BQP, uma espécie de superconjunto do P. Se a humanidade conseguir efetivar que os quânticos lidem eficientemente com problemas NP, o futuro seria muito promissor, já que haveria (ou poderia haver) sistemas híbridos que lidassem convencionalmente com os problemas P e quanticamente com os problemas NP.
Para finalizar, volto para a nossa viralatisse. Tínhamos os recursos humanos, a vontade e a vocação científica para encarar os desafios deste grande projeto. E por que não o fizemos? Como nação, perdemos muito tempo com questões que, a meu ver, são circunstancias, efêmeras ou irrelevantes. Enquanto deixamos aquelas, que evidentemente poderiam subsidiar a construção de um país mais próspero, ao esquecimento pela falta de priorização. E assim nossa reforma política foi para o ralo, deixando eleições caríssimas consumirem os recursos do país. Tratamos de assuntos importantes, como a pobreza, com soluções momentâneas, que também sangram o Tesouro e deixam um legado tão curto quanto o das mentes que o idealizaram. Discutimos ideologias tão arcaicas e obtusas quanto os objetivos daqueles que promovem a discussão. Tudo que está a nossa volta demanda reformas, que são sempre postergadas para os próximos mandatos. Apenas latimos para o futuro e para o mundo, mas temos medo de viver neles, confirmando sempre a tese do Nelson Rodrigues.
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Peter Brian Medawar
http://pt.wikipedia.org/wiki/Peter_Brian_Medawar
Mas não importa, o fato é que quando visitamos a Recoleta os argentinos falam com orgulho das tumbas dos seus laureados, e podem citá-los. A gente fica com Pelé, Senna, Guga e uma penca de irrelevantes políticos. Os argentinos falam com (merecido) orgulho sobre Ricardo Darín, enquanto aqui, salvo raras (e antigas) exceções, somente citamos nomes das versões atualizadas e tupiniquins das óperas-bufas, que inundam nossos cinemas e se propagam como comédias. Nem vou me prolongar muito nesta fúnebre e chuvosa quinta-feira, com os brasileiros de luto e baixa autoestima pela vergonha de um sete a um que não tem a mínima importância. Apenas me permitam citar novamente o sempre moderno Nelson Rodrigues ao dizer “o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes”. Não é o que parece pelas ruas e conversas pescadas, infelizmente.
Sempre grande Nelson. Tão grande que esta famosa frase é citada como sendo de autoria de Arrigo Sacchi, ex-técnico da Itália, que a usou sem fazer referência ao autor. Pois é! Primeiro mundo também rouba ideias, e é neste contexto que eu gostaria de falar sobre a Pirâmide de Arseneto-Gálio na próxima postagem. Nada a ver, e tudo a ver. Quanto à frase, é possível que tenha sido mesmo do italiano, o que não desmerece a afirmação de que primeiro mundo também rouba ideias. Mas Internet aceita qualquer besteira. Ao comentar a frase com meu amigo Érico ele se lembrou de outra atribuída a Abraham Lincoln, o que me faz desconfiar de tudo que se lê por aqui (incluindo esta postagem): "The problem with internet quotes is that you can't always depend on their accuracy".
sexta-feira, 4 de julho de 2014
Onde está a poesia? (Final)
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Redheart.png?uselang=pt-br
Não! A poesia está no coração.
Tenta-se a métrica ritmada, o formato disposto em versos e a
sonoridade de rimas para tentar induzir algo como música, cujo ritmo poderia
domar os dragões do desejo, obstar qualquer leitor ante os precipícios da
melancolia, ou simplesmente ecoar no íntimo da personalidade. Nesse sentido, a
poesia empresta à literatura elementos da música, como o lirismo, a harmonia, a
dinâmica temporal, a ressonância e (por que não dizer?) o timbre. Mas ela está
no querer. Nunca estará no acaso. A poesia pode estar numa conversa com um
pescador esquecido na longínqua Barrinha (Ceará), ao explicar com firulas
retóricas como ele avança 200 km mar adentro e retorna na mesma praia alguns
dias depois. A poesia pode estar em algumas passagens da maravilhosa Herta
Muller, ao contar o sofrimento das pessoas nos campos de trabalho russos que se
disseminaram pelo país após a II Guerra.
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