segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Las Ramblas

 

Imagem gerada pelo GPT-4o

¿Cómo describir toda la inmensidad de sensaciones que su poesía provocó en mi alma? Quizás no puedo, quizás no soy un sabio competente, como en la canción de Violeta Parra, y los signos son sembrados por la contemplación sin fin de la belleza semántica. Ciertamente es poesía, y ciertamente hay una mujer que moldea las palabras, dándoles un alcance infinito frente a la claustrofobia de vivir. Las olas temporales, que traen y llevan la belleza de las flores, que traen y llevan tus palabras frente a lo verbo vacilante que te quiere, dentro del callar del querer, bañan las playas donde estoy parado por un momento. Miro el horizonte que no te dibuja en el firmamento, porque no estás ahí, no estás aquí. Te encuentro en mí, en mi pecho, dentro de un inmenso universo de sensaciones que también podrían se transformaren en poesía, en este árido y desértico camino por donde paso.

Por supuesto que estoy perdido en estos cajones vacíos, en verdades inexistentes, o mentiras persistentes, que engañan mis deseos. Prisma opaco que esconde reflejos de mi alma, abraza el aire que respiro. Todo es tan efímero porque no hay pieles ni toques, solo sospechas y sueños. Pero, esa es la vida a la que me he condenado, así se construye la verdadera poesía frente a las mentiras que me digo; también con ese idioma extranjero indomable, extraño y tal vez impreciso para mí, con el que intento torpemente construir signos para tu percepción.

¡Ramblas! Descubrí el significado en Punta del Este cuando un conductor de Uber nos dirigió a un restaurante "en las ramblas". ¡Por qué! Para mí, solo hay un río (o mar) en Punta, y no entendía las razones por las cuales el lado oeste de la ciudad tiene "ramblas" y el lado este no. En Barcelona, las ramblas son calles que llevan a la gente del centro al mar, pero en Montevideo todo es rambla. Ya sea una pasarela, una acera, un bulevar o simplemente una avenida que bordea el mar (o el río), esta palabra incómoda solo atestigua lo lejos que estoy mentalmente de un idioma tan hermoso. Las ramblas nacieron con los hispanos, y se incorporan a la vida de tal manera que el verdadero significado escapa a los forasteros de otras vidas.

Entonces pienso: ¿cuántas ramblas tendría que caminar para encontrarte?



segunda-feira, 5 de julho de 2021

Enchantment - Encantamento

Imagem gerada pelo GPT 4o

Enchantment... one word... enchanting; and with sweet ambiguity. It can be derived from a spell, or simply be enraptured by some situation, vision or just by some feeling that emerges from the chest, without the proper control of reason. It can also mean seduction, or something supernatural that only intuition explains, with its hesitant words that seek to carry more meaning than semantics allows. Or it could be all of this, or none of it. It can be a rapture, or just a nice thank you. Unfortunately, there is a lot of ground between the drawing of the letters in front of me, and the perhaps frantic pulse of the writer. Ariadne, I don't know the stark paths that left me in this vernacular labyrinth. Is it just a whisper among the trees my ears can barely hear? Do they build the sounds that bring my body finally to ecstasy in the meager existence of barren years? I will drown in all the deserts that my feet leave in the past of my passing, in the impossibility of existing within the reality of a female lap. Thirst will drown me in the tears that will soak my heart, in the sterility of the repulsive touch, that are contained within the will, of the heat that does not burn that female dream. Oh... Ariadne... you don't exist, except in me. I build you within my delusions and hallucinations; hallucinogenic silhouette painted in the colors of van Gogh, and immortalized with the addictive fever of wanting, of craving. I want you like an addict, to let you consume my entrails in my fainting. I want you like an eternal vertigo, interspersed into the moments of an insignificant and lingering life.

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Encantamento... uma palavra... encantadora; e com uma doce ambiguidade. Pode ser derivada de um feitiço, ou simplesmente ser um enlevo por alguma situação, visão ou somente por algum sentimento que emerge do peito, sem o devido controle da razão. Pode também significar sedução, ou algo sobrenatural que somente a intuição explica, com suas hesitantes palavras que procuram levar mais significados do que a semântica permite. Ou pode ser tudo isso, ou nada disso. Pode ser um arrebatamento, ou somente um agradecimento simpático. Infelizmente existe muito chão entre o desenho das letras à minha frente, e o pulso quiçá frenético de quem escreveu. Ariadne, não conheço os caminhos ermos que me deixaram neste labirinto vernáculo. Será apenas um sussurro entre as árvores que meus ouvidos mal conseguem ouvir? Será que constroem os sons que levam meu corpo finalmente para um êxtase na parca existência de anos áridos? Afogar-me-ei em todos os desertos que meus pés largarem no passado do meu passar, na impossibilidade de existir dentro da realidade de um colo feminino. A sede me afogará pelas lágrimas que encharcarão meu coração, na esterilidade do toque repulsivo, que se contêm dentro da vontade, do calor que não queima aquele sonho de fêmea. Oh... Ariadne... você não existe, a não ser em mim. A construo dentro dos meus delírios e alucinações; silhueta alucinógena pintada com as cores de van Gogh, e imortalizada com a febre viciante do querer, do desejar. Quero-te como um viciado, para te deixar consumir as minhas entranhas no meu desfalecimento. Quero-te como uma vertigem eterna, entremeada dentro dos momentos de uma vida insignificante e demorada.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Doçura - Dulzura

 


Doravante, vou libertar as palavras para passearem na minha mente, para brincarem com todas as semânticas que estão refletidas nos espelhos das minhas emoções, como se o labirinto dos meus pensamentos fossem apenas representações dos sentimentos confinados do coração, que não estão somente presos no corpo que não sai para fora, mas também na saudade e na angústia de não reservar um toque para a tua pele.

Aprisionadas pelas paredes infinitas que destroem as imagens da liberdade, palavras procuram janelas, mesmo em ínfimas frestas despercebidas por aquela massa incógnita e sem sorrisos (às vezes nem mesmo possuem rostos que valham uma memória) que passa por mim com o nome de maioria. Sou, ou estou, reles porque talvez o seja, nesta muralha que me apresento, nestes tempos com ares de idos, nestas ruínas que cobrem meus caminhos.  

Mas a doçura irrompe dentro deste pequeno mundo para lembrar que lá fora está um universo. Doce no nome e nas lembranças de momentos que fizeram parte do meu coração. Singela, como todo sonho deve ser, a lembrança dela vem sorrindo para mim, para assim tatuar a eternidade nos meus desejos.

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De ahora en adelante, dejaré que las palabras divaguen en mi mente, para jugar con toda la semántica que se refleja en los espejos de mis emociones, como si el laberinto de mis pensamientos fueran sólo representaciones de los sentimientos confinados del corazón, que no son solo atrapado en el cuerpo que no sale, pero también en el anhelo y la angustia de no reservar un toque para tu piel.

Encarceladas por las paredes infinitas que destruyen las imágenes de la libertad, las palabras buscan ventanas, hasta en los más pequeños huecos desapercibidos por esa masa incógnita y sin sonrisas (a veces ni siquiera tienen rostros que merezcan un recuerdo) que pasan junto a mí con el nombre de la mayoría. Soy, o estoy, insignificante porque quizás soy, en esta muralla que me presento, en estos tiempos con aires de antaño, en estas ruinas que cubren mis caminos.

Pero la dulzura estalla dentro de este pequeño mundo para recordar que afuera hay un universo. Dulce en el nombre y en los recuerdos de momentos que fueron parte de mi corazón. Sencillo, como debe ser todo sueño, el recuerdo de ella me llega sonriendo, para tatuar la eternidad en mis deseos.


segunda-feira, 12 de abril de 2021

Ir

 

By Dietmar Rabich, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=86318874

Ir! Tão somente ir! Sinto-me carregado pelo tempo à deriva da minha vontade, porque há pecado no querer chegar a nenhum lugar. Avilto as paisagens ao meu lado, e os ombros que se esforçam em me acompanhar. Àqueles que suponho próximos, diria que o destino obriga a urgência, ou que preciso negar as paradas que dariam permissão ao alcance. Uma forma transviada de pensar que afirma que parar é perecer e não há tempo para refletir. Onde está a contemplação? Cadê aquele brilho pranteado nos teus olhos que reflete as luzes apossadas como tuas? A mesma beleza com sutileza melancólica que te acompanha, nega-me a formosura de sentir teus beijos e toques. Sou o oposto do narciso ao procurar a feiura destes passos constantes que derramam distâncias entre nós. Só percebo sombras de indecifráveis imagens e corpos que se misturam aos seus numa peregrinação ímpia dentro da cidade. São pessoas ou criaturas que nego significância. Talvez por rancor ou temor, de mim ou de todos. Minha prisão é o meu andar para além daquele olhar que repousa no longe, na inconsistência de não saber para onde ir, e apenas ir. Perco-te pela fraqueza do querer.

E não quero aqueles embaralhados em ti, apenas te quero sem te querer. Despida de desejos que te despem. Sou apenas uma despedida que pende nas tuas mãos, na ilusão do que fui ou poderia ter sido para dentro do teu mundo. Decerto podemos construir amor em entes que são reflexos de nós, em parte, e de quem queremos ser, na totalidade. Mas amar é antes um exercício do que uma condição, que não combina com adeus, que não harmoniza com distâncias. Não sei o que é o amor, nem me cabe saber como andarilho por tudo que fica na passagem. Apenas suspeito de que amar no longe é apenas uma miragem. No perto, são gostos que se alastram para dentro da sensibilidade, por todos os sentidos e poros. Amantes são déspotas e condescendentes ao mesmo tempo. Pois nada são, ao mesmo tempo que são tudo. 

A estrada se deita na minha frente e me convida para a andança. Preferiria a dança que sente teu cálido ventre, num bailar eterno que entrelaçaria nossas mentes e sonhos. Mas onde você está nesta estrada que não para de vir? Agora eu te quero com desejar, talvez porque não mais te vejo ou sinto. 

Reflexões em 2020

 

Hanna Arendt em 1933 - Domínio Público

Eu poderia descrever os pensamentos que aqui depositarei como uma forma de “primeiras impressões de uma pandemia”, derivado de reflexões circunspectas extraídas de uma observação limitada do ambiente onde vivo. Primeiramente porque há uma abordagem possivelmente pessimista, ao se considerar que haverá algumas menções sobre comportamentos sociais de uma minoria. Além disso, falta-me uma instrumentação teórica mais aprofundada, principalmente sobre as pautas relacionadas à evolução histórica da mentalidade humana. Decerto haveria um anacronismo a ser considerado, bem como a correta caracterização da influência deste nos eventos mais proeminentes da humanidade que catapultaram guerras catastróficas. O primeiro ponto não é sobre a imbecilidade humana das pessoas que agridem outros por motivos irrelevantes, ou negam o cumprimento das regras sociais mais simples, porque é uma minoria de fato. O meu maior medo não está nesta ignorância disseminada pela sociedade que somente avança em quantidade de adeptos porque, simplesmente, não há um sistema efetivo de punições que iniba atitudes socialmente execráveis. O problema está do outro lado. As pessoas que prezam pelo discernimento com base no bom senso, na inteligência e na ciência, são omissas pelo princípio da tolerância. Porém, entre estes dois lados da sociedade há outro ainda mais tenebroso: os medíocres. É certo que preciso estudar profundamente os escritos de Hannah Arendt encontrados em “Eichmann em Jerusalém”, já que algumas pessoas citaram esta obra como um marco filosófico que responde muito bem ao que se entende como a banalização do mal e o desenraizamento das pessoas com a realidade. Suspeito que nesta obra está mostrado que o pior do nazismo foi sustendo por pessoas razoavelmente inteligentes, mas medíocres, replicadoras de clichês e seguidoras incontestes de líderes. O maior problema emerge quando se percebe que o cidadão médio medíocre é o que compõe a maior parte da população. Mas, aonde eu quero chegar? Basicamente numa suspeita de que o tempo das conquistas sociais da humanidade pode estar no início de uma fase de estagnação para depois começar um retrocesso, ou seja, a “Era da Decadência”. Percebo alguns elementos preocupantes relacionados com proselitismo, maniqueísmo, "empoderamento" da ignorância e negacionismo que podem sugerir uma época mais sombria para a humanidade. Questões econômicas, como a piora nos índices de distribuição de renda, parecem retirar dos povos o caminho da paz social na medida em que parcelas expressivas da população começam a entrar num ambiente de pobreza material (comparada com as exigências sociais) e intelectual (advinda do excesso de informações não estruturadas).


terça-feira, 9 de março de 2021

As Rosas

 

Unknown author, Public domain, via Wikimedia Commons

Eu sempre gosto de começar a escrever a partir de uma palavra. Qualquer uma, pois sempre haverá um mistério que se esconde nas dimensões culturais e semânticas dos vernáculos. Aquela ideia ingênua de que a palavra sustenta uma comunicação, um tanto falaciosa, pode se traduzir em uma espécie de intersecção entre os universos de cada um, que poderia até ter a chancela de uma cultura homogênea, caso a nossa fosse, mas depende de tantas inferências e experiências sociais distintas, que a uniformidade e precisão de qualquer forma de comunicação falada ou escrita é intangível. Ainda mais se considerarmos o palavreado escrito, desprovido de emoções visíveis e decifráveis pelo ouvinte, que poderiam “adjetivar” sentidos e sentimentos. A palavra é apenas um vestígio delével pelo tempo, foco e atenção insuficientes. Um resumo de pensamento muito sintético quando coloquial. Uma porta entreaberta e ignorada pela urgência imposta pelo cotidiano. Não que eu vá me abster, porque meu relativismo de pensamento é atraído pela ligação entre substância, pensamento e vocábulo, de uma forma semelhante que outrora era atraído pelas silhuetas suaves das eternas passantes pela minha vida. Então, a palavra é para mim de uma alma feminina, envolta no enigma que o muro social de gênero se edificou naquele meu passado, e desviou a minha compreensão do que sempre pensei ser afim: a masculinidade. Minha mente começa a ser lentamente provida de uma clareza e, dentro da compreensão, percebo que mesmo esta pretensão cognitiva pode ser uma falácia, ao mesmo tempo em que me aproximo da percepção de convergência entre o que sou e o feminino. Dispo-me de prazeres porque eles entorpecem, como também deponho os preconceitos que não são nada mais do que atestados de ignorância. A mulher que surge é sofrida e mal compreendida, forte e eterna. Algo como a Pachamama, que guarda em seu ventre, quem somos e poderemos ser. Então, não usarei uma palavra, mas a ambiguidade de uma expressão de uma canção que não consigo cantar, embargado em lágrimas em emoções de um tempo que nunca vivi, apenas que me está presente dentro da convicção que se forma de uma humanidade cuja burrice tem milhões de kilotons:  Rosa de Hiroshima.

Poderia falar de outras rosas, como as que estão nos jardins de Nancy, ou da Luxemburgo, cuja coragem ainda boia no Landwehrkanal. Porém, todas são rosas, de belezas que não só são contempladas pelas retinas alheias, que também passam, mas também apreciadas pelo foco da miragem que a beleza em si se reflete na alma: sem formas ou normas, apenas elegância e fluidez diante de um contraste com elementos que tentam destruir a harmonia e a fraternidade entre as pessoas. “Pensem nas meninas, cegas, inexatas e nas feridas como rosas cálidas”. A palavra nasce em mim como uma mulher daqueles tempos românticos, algo idealizado, impossível e impassível perante minha sensibilidade. É a mulher com quem deito meus delírios e martírios. Para quem eu canto e sou devoto, no nexo e no sexo, por todo aquele tempo de vida que alcunho como eterno e passageiro ao mesmo tempo. Minha transitoriedade desapercebida na juventude, reveste de poesia todo meu canto de pássaro. Um canto que existe apenas por si mesmo, com poucas emoções e alguma técnica. A mulher sempre voou para longe, enquanto cantava nos galhos de aqui e acolá, na medida que a canção mudava o tom com o sempre inclemente e perspicaz tempo. A lágrima não está mais naqueles corpos fugidios das paragens, nem na estética que às vezes me olhava, indiferente ou não. A lágrima agora vem das profundezas de um coração que evita ser petrificado. Está na cegueira, na inexatidão e nas feridas de um aglomerado ao qual chamamos sociedade. 

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

A Morte e a Sorte

Gustave Doré, Public domain, via Wikimedia Commons

Estou dentro de uma distância que toca o horizonte. Poderia dizer que é a morte, de tão abruptos são sentimentos que envolvem tempos vindouros. Uma passagem irreal para a irrealidade de pensar no porvir. Quem são os vultos que me cercam neste caminhar pausado e desacelerado? Mal sei o que querem: intenções surpreendidas pelo desespero de tempos sombrios, que nos levam para a incerteza de quem somos. De certa forma, desfaleci no desalento de quereres frágeis, e não sou revólver, nem coqueiro. Sou apenas um tempo passado, uma história inglória e uma voz calada na urgência destes que passam. Levam consigo também seus passados, alguns sem peso, outros em toneladas de frustrações. Quem me levará sou eu, como versificado em outra canção, mas quem me deterá será a morte, se é que ela não está ao meu lado, presunçosa que se assume. É claro que não posso mais ficar, como também não posso ir sem que o destino se revele. Seria então uma espécie de morte temporária, ao som de pintassilgos que só existem para dar um selo poético nesta minha retórica. Na realidade, os vejo cobrirem os urubus que me esperam só porque assim quero ver, ou enfeitar os poucos momentos que me restam dentro desta longevidade que já perdeu seu sentido. Devo ir para outro lugar, ou para lugar nenhum, e a escolha não é da minha consciência, mas de quem eu fui.

domingo, 31 de maio de 2020

Herdeiros da Sombra

Tom Murphy VII / CC BY-SA (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/)


Nos tempos decorridos quando eu mais perambulava pelas incertezas imaturas, do que tinha planos confiantes, um livro se materializou na minha frente. Obviamente não o ganhei porque nunca recebi presentes deste tipo. Também não o emprestei porque ele se acomodou numa das minhas bibliotecas por muitos anos. Até se perder misteriosamente diante da minha vida nômade daqueles tempos. Provavelmente o comprei em alguma livraria, embora eu não me lembre delas naquela pequena cidade onde vivia. Ou talvez, quando eu passei em frente a livraria do Pontes em Campinas, eu tenha vislumbrado aquela brochura branca e fina, com uma imagem sépia propositadamente desbotada de uma figura de mulher desenhada em ponta de nanquim. Curioso eu não me lembrar da imagem da mulher da capa, mas de outra que estava dentro do livro, emoldurada por uma janela, com uma das mãos segurando o semblante. De qualquer maneira, não foi a figura que me atraiu, pois apenas adornava o título “Herdeiros da Sombra”. Para aquele garoto sombrio, a associação de herdar algo tão soturno soava estranhamente muito familiar, como as Mulheres de Atenas do Chico, ou o muro do Pink Floyd. Tudo me atraía dentro da aridez de pensamentos solitários e eternos, sem contestações dentro do silêncio cotidiano e sem aquelas alusões imersas nas conversas prolongadas para dentro das noites de inverno. Foi o primeiro livro que nunca esqueci, foi o meu primeiro autor dentro de uma lista muito restrita que poucos acompanham. Régis foi e continua a ser um dos poucos que escrevem comigo e que comunga a profundidade da existência, ao mesmo tempo melancólica e feliz. Paradoxal e real, sombra e luz, talvez um não viva sem o outro, ao perceber que o que brilha é tão solitário quanto o negrume, quando um deles não existe. Passeava pelos contos curtos e profundos e pelo mistério existencial que se esboçava nas imagens cotidianas, sem perceber que o garoto rapidamente amadurecia num sentido, e se despojava dos seus sentimentos para permanecer entre as pessoas, que mal conhecia. Pois eu somente visitava e conversava com aqueles personagens que herdaram as sombras da vida.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Apenas Uma Carta



Palavras que carregam sentimentos confusos, pois parecem nascerem dos meus pensamentos difusos e imprecisos. Há algo enraizado neste íntimo que contorce desejos, numa espécie de bravata que me lança ao limbo entre os sonhos e a realidade, entre o querer e poder. Meu toque não te contorna; não percorre a tez suave e quente de uma mulher. Quase dentro de uma existência tênue, que cambaleia na metamorfose impossível da proximidade, sinto-te com o pressentimento de uma imaginação solitária, que procura corpos nas sombras cotidianas, como se lá estivessem. Decerto escrevo esta carta como se conversasse contigo, com as sobras de um homem amarradas entre paredes, longe dos passos que trazem os caminhos amplos da ausência de cidades. Sinto falta dos campos, das árvores e dos pássaros que emprestam seus piados musicados à Natureza. Sinto falta das mãos que caminham juntas com as minhas, ao destino de um horizonte incerto de rotas, mas dentro da certeza de uma presença que também quer ir para lá porque, o que realmente importa, são as mãos dadas.

À quem me der as mãos, escrevo esta carta porque o falar me cala, na mudez do meu mundo e dos objetos irrelevantes que me testemunham. O silêncio assola os dias que insistentemente apenas passam, derramados em calendários eternos e repletos de mesmices irrisórias levadas pelas pessoas que não oferecem corações. Meu universo é vasto, mas isolado dentro de um coração que não aprendeu a bater em sincronismo com outros, mesmo com todo o tempo de uma vida que já dobrou a esquina da vitalidade. O tempo urge diante do presságio da morte e me conduz aos idos estáticos, que não posso alterar a ponto de cruzar o caminho com o pulsar de outro peito. Os fatos estão lá, dentro dos passados púberes, e um pouco além. As andanças para aqui e para os “alis” não me deixaram a herança de um colo para deitar minha intemperança. Não deixaram brilhos em olhos que tudo dizem e enterram o silêncio no esquecimento da vida. Não deixaram palavras que seriam apenas minhas, dentro deste universo de ideias, sonhos e anseios.  Escrevo esta carta na esperança de um leitor.

Ao meu leitor, escrevo esta carta com o atraso de décadas e com o pasmo de não te conhecer. Mas, para quem escrevo? Quais são suas emoções que embolam tua vida, o que te surpreende e o que te emociona? Por infortúnio escrevo para apenas um alguém que ora assume uma efígie a que tudo empresto: sentidos e sentimentos selecionados de uma ternura improvável diante de um mundo apressado. Não somos mais crianças lá fora, mas podemos soltar aquilo de mais ingênuo que pereniza um amor verdadeiro: a abnegação de si por outra pessoa e a gratuidade de gostar, livre de ser mesquinho. Ah! Livre! Ao não existir aqui, libero minha expressão a ponto de não temer a tua indiferença. Livre a ponto de te querer dentro de mim e dentro de ti, num uníssono que grita na aridez desta realidade que sempre se impõe e sempre perpetua o longe entre nós. Escrevo esta carta na esperança de outra realidade.

À esta realidade, escrevo esta carta porque quero cativar sensibilidades a ponto de compreender que é possível construir um sonho dentro de uma vida, por mais caminhos que tenhamos passado, por mais adversidades que tenhamos abandonado pelos tempos findos. Quando houver mãos dadas e leitores de coração, transformarei segundos em séculos. Então mais precisarei escrever cartas que se espreitam uma procura nas esquinas e cidades. Apenas direi as palavras deste coração apertado, no livro da tua vida.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Vestes da Morte



Sonhos que clareiam o que a realidade obscurece, mas ruídos invadem meu quarto e abraçam a minha solidão. Vozes alheias, que destroem frases em indecifráveis palavras, desconexas de significados e rostos. Não há mais toques e sensações explícitas de pele, somente persiste o desejo que embriaga as longas noites. O véu descerra o que se esconde, no poente de quem somos e na distância infinda de quem queremos ser. Posso te construir como uma miragem, que se encanta pelo sorriso figurado, preso em algum lapso de memória. Quero te construir como veras ao beijar meus lábios, ao tocar e percorrer minha pele ávida. Quero te construir pelos olhos teus dentro dos meus olhos, em faíscas de emoções que chovem na tua silhueta. Mas não adornas este quarto, nem ao menos estás presas numa imagem na parede. Neste manto noturno, teu corpo se deita longe e inflige o frio da distância na minha sensibilidade, como uma brisa gelada que passa em golfada pelo meu rosto. Gela-me a vida, em calafrios desesperados na presença da ausência que se assemelha à morte. Estou só, acompanhado de mim e dos pensamentos que te flertam, mesmo que ignores meus murmúrios apaixonados.

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...