segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Onde está a poesia? (Parte II)


Pablo Neruda! Não seria elegante chamá-lo de um menestrel das ideias românticas porque a dimensão da sua criação vai muito além disto. “São mais tristes os molhes quando atraca a tarde”! É uma pena que o encanto dos versos vindouros se perdeu com o seu falecimento. É verdade que o declamar ritmado das suas poesias decreta uma solidão tão imensa, que a vontade de continuar a lê-lo não acaba mais, no retiro de palavras que te levam para dentro do íntimo romântico, da necessidade de comungar o amor. Eu me lembro da primeira vez que ouvi a citação do nome do poeta, através da música “Trocando em Miúdos” do Chico Buarque (“devolva o Neruda que você me tomou, e nunca leu”). Quem é Neruda? Perguntava-me. Conheci-o através de uma canção desesperada um pouco tarde na minha vida, é claro. O que é de se estranhar, para as pessoas que hoje me conhecem. A pergunta que imagino fazerem nas minhas costas é como alguém que tanto aprecia poesia não leu Neruda mais cedo? Bem! Há explicações, como há momentos na vida em que largamos um assunto e, depois de passados muitos anos, nem bem entendemos as razões. Depois de São Paulo eu fui morar numa pequena cidade do interior do Estado. Não muito distante para o meu padrão de hoje, mas longe demais para aquela década de 80. Isto é, era inviável viajar até São Paulo para visitar a Biblioteca Municipal da Celso Garcia. A da cidade era mais apropriadamente classificada como medíocre. Livros velhos, empoeirados, doados. Folhas rasgadas ou faltantes, assuntos que dependiam mais do gosto de nobres almas, que enchiam as prateleiras e seus sensos de dever cumprido com doações culturais. Esta foi e é a situação da maioria das cidades brasileiras. E para entender a gênese desta característica comum, basta entrar numa Saraiva para perceber que o lugar mais cheio é o das revistas. Temos uma cultura de bancas de jornal, não de livrarias ou bibliotecas. Naquela pequena cidade Neruda nunca perfilou entre o Patativa do Assaré e a culinária da Dona Benta. Mas eu também nunca fui ao seu encontro em prateleiras alheias. Era uma época de definir o que eu queria para o futuro, e a escrita não estava nas minhas cogitações. Eu gostava de matemática!

De qualquer maneira, trinta anos se passaram. Se fosse possível hibernar desde a década de 80, um cidadão feito um urso citadino perceberia alterações profundas na sociedade, no uso da tecnologia e no comportamento das pessoas. A primeira coisa que acharia insólita, se não assustasse os transeuntes com a falta de banhos, seria que todas as pessoas ficam concentradas num pequeno dispositivo, parecido com uma carteira. Telinhas coloridas, barulhos estranhos, fios que saem da caixinha e entram nas orelhas. Ninguém olha para frente, baixam a cabeça e dedilham freneticamente desenhos que não compreende. Na televisão grande e fina, poderá notar que nas tardes de domingo não existe somente o Sílvio Santos, há uma infinidade de canais.

- Ufa! - O Sílvio ainda está lá. A macarronada com almôndegas também engorda os que sentam à mesa.

E ele continua com os cabelos pretos e a mesma risada. Parece embalsamado naquele anúncio tácito de que o fim de semana está perto do fim. Ainda se pode sentir a mesma angústia do prenúncio da segunda-feira, fato que nada mudou nestas décadas. Entretanto, mesmo com a constatação de que nem tudo se descaracterizou, algo incomoda o fictício hibernante. Umas pequenas caixas, algumas com uns dois quilos, outras ainda menores, se espalham pelas casas e escritórios. Parece que o mundo está inundado de computadores, tablets e smartphones. Tudo gira em torno deles. Trabalho e lazer. As pessoas conversam pelo Facebook, Whatsapp, Twitter, Skype. Algo que faz o filme 1984 parecer ingenuidade negativa. Se o Big Brother existe, conforme concebido por Orwell, ele vende carros da Fiat e esponjas de aço da Assolan. Porém, as pessoas escrevem o que sempre falaram desde que se juntaram em sociedade, assuntos triviais do cotidiano. Fofocas, falsidades verdadeiras, futebol, filosofia de botequim, frases de autoajuda e eventualmente algo relevante. É claro que é necessário empurrar a propaganda para o lado ou apertar um “x” devidamente escondido para excluí-la do primeiro plano. Ela, alma encarnada nas televisões de outrora, achou outra área para estender sua influência. Afinal de contas, é sempre o merchandising que tudo movimenta, que tudo justifica e, principalmente, que tudo paga.  E obviamente vai empurrar tela abaixo o que mais interessante for para seus propósitos, numa espécie de competição de todas as agências por atenção, o que demanda criatividade e perseverança dos produtores de conteúdos já transmudados em profissionais. Empacota-se uma música, preferencialmente aquela que pode ser ouvida sem muita atenção, que apenas faz chacoalhar o pé. Junta-se um rápido vídeo, que agora chamam de clip, e pagam para os mecanismos de busca colocarem na frente de outras pesquisas. A coisa toda ficou meio dissimulada, o que é muito sinistro.

De qualquer maneira, onde está a poesia?

No mesmo Youtube em que se pode assistir um rol de porcarias, como cantores que procuram imitar bodes em duplas, flagrantes irrelevantes do cotidiano como acidentes, também se pode achar a poesia do Neruda. Bem como a da Florbela Espanca, Fernando Pessoa e até do Tomas Tranströmer, último poeta agraciado com um Nobel.  É certo que o poema "The Blue House", declamado por Louise Korthals, tinha “imensas” 36 curtidas no momento em que escrevia este parágrafo (a 36ª foi minha), o que ironicamente mostra a irrelevância de um poeta neste sistema. Mas ele está lá. Em outra rápida pesquisa, sem muitos critérios, encontrei belas poesias em canções feitas por grupo chamado “Pouca Vogal”. Desta forma, eu acredito que ainda existam vastas belezas por serem descobertas e apreciadas, como eu também penso que o hibernante terá dificuldades de encontrá-las pelo simples fatos de não estarem em evidência. Nelson Rodrigues certa vez escreveu: “antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos”. Nada mais atual do que esta frase, e nada é mais verdadeiro para perceber que devemos procurar no silêncio as belezas estéticas que tocam mais o íntimo do que a exposição despropositada de pernas e sexos. O sujeito que foi tirado da sociedade por tantas décadas faria o que ele fazia no momento de início da sonolência: conversaria com outras pessoas afins nos gostos. As cafeterias ainda existem, bancos de praças também. Basta conversar para descobrirmos as chaves de pesquisas na Internet. A junção das técnicas antigas com as novas é que é poderosa.

Ah! Então a poesia está aí?

Não!

(continua)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Onde está a poesia? (Parte I)


Não escrevo estas linhas com saudosismo um tanto desmedido, nem com qualquer resquício démodé advindo de uma pessoa que não caminhou com a evolução dos costumes. A rigor, nem sei se posso alcunhar estas últimas décadas com algo parecido a evolucionárias, mas isto é uma questão que eventualmente eu discutirei, com subsídio da minha leitura do Niall Ferguson. O fato é que atualmente eu estranho a falta da poesia na música popular brasileira, diferentemente de um passado que emblematicamente eu representei pela música “Esquecimento”, do Fagner e Brandão. Esta canção está no maravilhoso álbum Orós, de 1977, que possui uma forte expressividade interiorana, vinda do sertão cearense. Além de contar com a participação de excelentes músicos, como Dominguinhos, Hermeto Paschoal (que assina o arranjo), Itiberê, Márcio Montarroyos, dentre outros. Não consigo perceber nada parecido nas rádios que gritam nos carros, quase sempre com um incômodo bum, bum, bum. Parece que no meio desta barulheira há algumas vozes sincopadas, nem tanto como recurso estético, talvez mais por deficiência do como se dizer. Não noto músicas parecidas na TV, embora eu acredite que seja por minha culpa, já que não consigo mais assistir aqueles apresentadores atrozes, que querem aparecer mais do que o assunto que apresentam.

Então, onde está a poesia?

Passei a minha infância na cidade de São Paulo. Mais precisamente na zona leste, no meio da multidão corintiana, das ruas sem árvores, de construções abandonadas onde eu empinava pipa. Nunca fui um craque – bem longe disto – mas insistia no futebol de salão na quadra da Escola Joly, bem no meio da Rua Serra de Botucatu. Aprendi a andar de bicicleta nas vias fechadas em frente às delegacias, bem no meio da revolta estudantil de 1968 quando coquetéis molotov singravam por cima das armas da polícia política para estourarem nas fachadas. Eu não sabia disto, nem aquelas crianças que me acompanhavam nas noites alegradas por aqueles lugares presenteados, no meio de prédios decaídos, estes sim ladrões de espaços. O ano terminou (ou não, conforme algumas opiniões) com o Ato Institucional nº 5. E tudo ficou negro na sociedade brasileira, embora eu pense que clareou a nossa arte.

Naquela época, as baladas dos Beatles já tinham se transformado em músicas com letras um pouco mais elaboradas, como a da longa e sinuosa estrada que leva até a sua porta. Além disso, se iniciava o processo de criação política, com as músicas de protesto que deixariam um legado de canções de alta qualidade poética, com as dos álbuns “Nos Dias de Hoje” de Ivan Lins e ”Construção” do Chico Buarque, além da beleza romântica do Vinícius de Moraes e da magnitude estética de um Tom Jobim e tantos outros. Isto me lembra de que em 1974 apareceu a versão definitiva de Águas de Março, do Tom. É extasiante pensar que uma simples obra de uma casa em Angra dos Reis virasse uma poesia musicada em mais de 50 interpretações pelo mundo. Tive o prazer de conhecer o garçom do Garota de Ipanema que forneceu o papel para o Tom escrevê-la (na realidade era aquele papel grosso que envolvia vários maços de cigarro). Pena que alguns poucos anos foram suficientes para que eu perdesse o nome dele na minha memória.

Mas, onde está a poesia?

Será que a minha geração migrou a atenção para o vigor e profundidade dos livros, abandonando assim os ritmos que, no fundo, limitariam as alternativas poéticas? De fato, conheci Maiakovski muito cedo, como cedo também me envolvi com a poesia do Drummond e recuperei as de Fernando Pessoa, um best seller obrigatório da minha adolescência. Passei rapidamente para histórias maravilhosas. Ítalo Calvino, Graciliano Ramos, Philip Roth. Mais recentemente Julian Fuks e Jennifer Egan. Música era algo vinculado aos gritos juvenis, àquela vontade de ritmar as batidas do coração com o que se enxerga no mundo. Livros são os verdadeiros alimentos da mente, que incitam a inteligência e nos permitem vagar por imaginações alheias, ao conhecer a dimensão da alma humana com os instrumentos do processo de amadurecimento. Entretanto, se somente isto explicasse o processo, todos os meus contemporâneos teriam cursado psicologia. A arte nos movimenta porque reflete o que sentimos. E o que sentimos é reflexo do mundo onde estamos imersos, da significação dos símbolos e da complexidade do viver numa sociedade que precisa constantemente ajustar a valoração dos princípios morais e éticos.

Porém, onde está a poesia?

(continua)

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Anjo (série cartas)

Foto tirada pelo autor no Museu de Belas Artes de Dijon

Eu conheço um pouco o trabalho do Jung e a questão da sincronicidade. Creio que o li na década de 80 e o que me vem à mente é um trabalho estatístico rigoroso, que comprova que fatos coincidentes acontecem de forma contumaz na vida de uma pessoa. Porém, o importante é entender a significação destes na dimensão psíquica do ser. Algo assim! E, juntamente com este raciocínio, também ressurge a questão da deificação de uma pessoa ordinária (no sentido de ser conforme aos costumes) que atravessa algum momento das nossas vidas e planta a semente da benevolência nas nossas intenções. Coincidência ou um anjo? Previamente, é importante lembrar que um anjo caído tem o mesmo poder de argumentação de um anjo que se mantém no plano divino e a benquerença pode ser uma estratégia para objetivos não tão nobres. A questão de discernir entre eles passa pela constatação se há cobiça nas suas intenções. Parece que às vezes vemos ou sentimos um anjo porque alguém atravessa alguns pensamentos e mostra harmonia com o que estes simbolizavam no próprio íntimo. Ocorre que não se conhece a pessoa que proferiu aquelas vozes ou escreveu aquelas palavras, nem como as palavras chegaram à sua boca ou teclado. Não se conhece suas vicissitudes e realizações. Nada além das linhas ou sons corroboram para a classificação endeusada, porque o que está feito mexe apenas com uma parcela de quem cada um é.  Ademais, eu tenho ciência de que isto não é suficiente para alguém se sentir anuído com os seus próprios sonhos. O mundo se estende além das telas de computadores ou de conversas casuais, nas quais seja possível ler amiúde os pensamentos alheios, por vezes repetitivos para que haja a formação de uma ligação de influência, por vezes inéditos. Ele está no cotidiano das pessoas com quem se convive, nos membros da família, nos objetos e mementos, dentro das casas, na solidão dos quartos.  Todos estes ambientes e pessoas formam o universo de cada um, com suas significações e prioridades. Um anjo pode cair. O que fascina pode ser ojerizado. Tudo dependerá do que construírmos como futuro, do que daquele momento de reflexão para frente será significante para a tomada de decisões. Se há uma boa vontade, ou há abnegação a tornar seu coração o influenciador das escolhas, provavelmente se viverá num futuro melhor, porque é do princípio existencial das pessoas de bem fazer e receber o ... bem.

E sobre as decisões, muito tempo pode ter se passado desde aquele momento em que alguém decidiu se encontrar para possibilitar a existência do amor, mas ainda não o encontrou. É importante notar que está escrito “um reencontro consigo mesmo”. Por que isto é importante? Quanto mais nos conhecemos, mais somos capazes de entender o que queremos, o que inclui as questões do coração. Indecisões são navalhas que cortam nosso futuro. Por outro lado, não existem certezas, apenas um conjunto de convicções a respeito do que nos machuca (principalmente) e do que nos arremete para um limbo quase extático, enlevado. Conheci pessoas maravilhosas que se desencantaram comigo. Conheci pessoas maravilhosas que me desencantaram. Mas as histórias de vida distintas, ambições e desejos nos fazem refletir que, no fundo, existem muitas semelhanças entre as almas que estão empenhadas em encontrar uma companhia. Mas esta é uma tarefa difícil, que se assemelha à busca insana da felicidade, por ser vizinha de intenção. Esta é uma tarefa frustrante quando os dias e as pessoas passam sem ficarem perenes na lembrança. Talvez não seja a hora, ou talvez nosso poder de sedução não seja o meio adequado para o que pode ser caracterizado como uma busca da alma gêmea. E eu me questiono agora sobre a possibilidade de existir uma alma tão afim que eu possa alcunhar como gêmea. O certo não seria gostar das diferenças? Não seria perceber que nelas é que cresceremos com indivíduos e amantes? Sempre repito a frase sobre quem ama, ama até o feio. Ama o que lhe é inconveniente. E se diverte com isto porque compreende que, acima de todas as coisas, está a capacidade e o presente divino do amar. Não falo no substantivo amor porque acredito que o verbo amar é o mais correto. É o exercício da vida, a ação de tornar significante nossa jornada até os derradeiros dias. Os encontros serão consequência das atitudes.

Neste contexto, anjo será aquela pessoa que alguém irá amar.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Tempo Fugidio (versão estendida)


A névoa atravessa as ruas e vielas desta cidade velha, de paredes apagadas pelo mesmo tempo que as descama para mostrá-las desnudadas em barro de tijolos.  Teias xadrezes que lentamente invadem as fachadas do ocaso, das pessoas abarrotadas de anos que se limitam a observar uma as outras. Janelas semicerradas escondem o vazio das esperanças. Janelas semiabertas mostram corpos engordados e flácidos, com olhares distantes e inexpressivos. Com lembranças turvadas pelo esquecimento. Com a letargia da derradeira espera por um dia ali estar somente uma janela semicerrada, sem personagem. Apenas um escuro que se derrama no desprezo das ruas.

Há um vazio na rua. Talvez pelo frio matinal ou por ser um feriado. Algo assim. Decerto ele não sabe, porque todos os dias são iguais. Como todas as suas roupas são iguais, os móveis são  sempre os mesmos, aquela rua, aquela sala e aquela cadeira, que o convida para sentar. Ele abandona a claridade, senta e acende um fósforo.

Na chama tênue e trepidante da vela sobre a mesa, que aquece aquele rosto próximo e uma combinação de memória, fatos ou factoides, saudade e tristeza, ele vagarosamente adormece. Alguns instantes se passam no vazio da sala e da mente. O cansaço abate fortemente aquele corpo desgastado pela dureza da vida e pela aspereza das pessoas que transitaram pelo seu passado. Deita lentamente o braço que segurava a cabeça e a encosta na madeira suja, engordurada por restos de refeições negligenciados. Parece que dorme, parece uma criança encolhida entre a cadeira e a mesa.

Ele desperta num tempo onde ela aceitou caminhar ao seu lado. Com um sorriso revelador de felicidade, um tanto malicioso, um tanto contido. O sim percorreu seu corpo e estampou evidências de obsequiosidade. Os tempos idos assim pediam e ele a cortejou como se mandava nos protocolos. Escreveu poesias apaixonadas, cantou serestas na sua janela, deu as mãos para amparar o caminhar de uma moça esperançosa, de traços delicados, que retribuía seus carinhos com o brilho nos olhos. Parecia que a eternidade brincava com seus desejos ao se flertarem com promessas perpétuas de companhia. E assim queriam até que ela desapareceu da sacada da casa onde sempre o esperava. Ela foi embora com suas promessas.

Quis o destino apartá-los. Ou eles mesmos consentiram as trapaças armadas pelas situações. Um dia, eles estavam apaixonados, noutro aquiescidos. Os parques por onde caminhavam não mais envolviam seus corpos no frescor do orvalho. Bem como o quarto não mais escondia seus arroubos. Então, os dias se estendiam no calendário como um varal sem roupas, sem cores pendidas para o futuro. Às vezes ele esticava a mão, talvez para atravessar uma rua, mas o calor daquela pele suave não o retribuía. Olhava para o lado e a falta dela fazia-o alucinar. Não suportava a ausência imposta daquela pessoa que amava, com toda a força de um coração que fora tão romântico, tão dela.

Não sobrou nenhum memento para ele lembrar. A foto, que guardava com tanto carinho na carteira, foi levada sem intenção em algum troco. O beijo no guardanapo se perdeu em algum lugar. A voz, o cheiro e o carinho foram com ela. O tempo fugidio e as décadas ficaram com ele.

Até que muitos anos depois, ela reapareceu num encontro casual, perto do portão de entrada da velha San Gimignano e da muvuca de gente que vinha de todo lado. Pararam um em frente ao outro e por alguns instantes nada disseram, apenas mostraram a surpresa nas feições dos seus rostos. Na pressa de passarem, algumas pessoas momentaneamente bloqueavam seus olhos. Mas era o mesmo olhar que conhecera, sem o brilho. Por mais diferente que o corpo dela fora transformado pelos anos, os belos olhos eram os mesmos. Inconfundíveis como seus próprios. Sentaram numa cafeteria, mas as palavras não abandonavam suas bocas como antes. Tinham dificuldade em mostrar os caminhos percorridos, os infortúnios passados, os segredos revelados. Os dizeres estavam mais atrelados ao presente, que não era comungado, e eles perceberam que eram outras pessoas. Mais amargas e solitárias pela decisão que já se perdeu na esperança de negá-la.  Não eram aqueles amantes, e nem mais seriam.

Subitamente, a ameaça do corpo cair no chão o acorda. Ele percebe que sonhara com fatos reais. Ou talvez apenas pensara, num estado de dormência. O sono da idade sempre confunde pensar com sonhar. Levantou-se e caminhou até a janela para contemplar as pessoas que começavam a passar na rua. Um senhor com um sobretudo preto, grisalho e de bengalas. Logo após um casal e gargalhadas  andavam errantes, para lá e para cá na calçada. A garota ainda olhou para ele quando passou em frente a janela. Algumas pessoas acenavam, a maioria ignorava. Mas ele ficou ali, imóvel e mudo por algumas horas. Talvez, no mais íntimo e escondido dos seus desejos, ele novamente gostaria de vê-la passar. Uma última vez. Para um último suspiro e um último adeus. Seria tudo que lhe resta possuir dela.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Tempo Fugidio


A névoa atravessa as ruas e vielas desta cidade velha, de paredes apagadas pelo mesmo tempo que as descama para mostrá-las desnudadas em barro de tijolos.  Teias xadrezes que lentamente invadem as fachadas do ocaso, das pessoas abarrotadas de anos que se limitam a observar uma as outras. Janelas semicerradas escondem o vazio das esperanças. Janelas semiabertas mostram corpos engordados e flácidos, com olhares distantes e inexpressivos. Com lembranças turvadas pelo esquecimento. Com a letargia da derradeira espera por um dia ali estar somente uma janela semicerrada, sem personagem. Apenas um escuro que se derrama no desprezo das ruas.

Na chama tênue e trepidante da vela na mesa, que aquece um rosto próximo e uma combinação de memória, fatos ou factoides, saudade e tristeza, ele vagarosamente adormece. Desperta num tempo onde ela aceitou caminhar ao seu lado. Com um sorriso revelador de felicidade, um tanto malicioso, um tanto contido. O sim percorreu seu corpo e estampou evidências de obsequiosidade. Os tempos idos assim pediam, e ele a cortejou como se mandava nos protocolos. Escreveu poesias apaixonadas, cantou serestas na sua janela, deu as mãos para amparar o caminhar de uma moça esperançosa, de traços delicados, que retribuía seus carinhos com o brilho nos olhos.

Quis o destino apartá-los. Ou eles mesmos consentiram as trapaças armadas pelas situações. Um dia, eles estavam apaixonados, noutro aquiescidos. Os parques por onde caminhavam não mais envolviam seus corpos no frescor do orvalho. Bem como o quarto não mais escondia seus arroubos. Então, os dias se estendiam no calendário como um varal sem roupas, sem cores pendidas para o futuro. Às vezes ele esticava a mão, talvez para atravessar uma rua, mas o calor daquela pele suave não o retribuía. Olhava para o lado e a falta dela fazia-o alucinar. Não suportava a ausência imposta daquela pessoa que amava, com toda a força de um coração que fora tão romântico, tão dela.  

Muitos anos depois, ela reapareceu num encontro casual, perto do portão de entrada da velha San Gimignano e da muvuca de gente que vinha de todo lado. Pararam um em frente ao outro e por alguns instantes nada disseram, apenas mostraram a surpresa nas feições dos seus rostos. Na pressa de passarem, algumas pessoas momentaneamente bloqueavam seus olhos. Mas era o mesmo olhar que conhecera, sem o brilho. Por mais diferente que o corpo dela fora transformado pelos anos, os belos olhos eram os mesmos. Inconfundíveis como seus próprios. Sentaram numa cafeteria, mas as palavras não abandonavam suas bocas como antes. Tinham dificuldade em mostrar os caminhos percorridos, os infortúnios passados, os segredos revelados. Os dizeres estavam mais atrelados ao presente, que não era comungado, e eles perceberam que eram outras pessoas. Mais amargas e solitárias pela decisão que já se perdeu na esperança de negá-la.  Não eram aqueles amantes, e nem mais seriam.

Ele acorda e percebe que sonhara com fatos reais. Ou talvez apenas pensara, num estado de dormência. O sono da idade sempre confunde pensar com sonhar. Caminhou até a janela para contemplar as pessoas que passam na rua. Talvez, no mais íntimo e escondido dos seus desejos, ele novamente gostaria de vê-la passar. Uma última vez. Para um último suspiro e um último adeus. Seria tudo que lhe resta possuir dela.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Mulher


Foto tirada pelo autor no Memorial da América Latina - São Paulo - Desenho de Rosana Paulino

A sina de todo homem é encontrar o reflexo da existência no olhar de uma mulher. Posso escrever mil palavras, e levar mil dias para consumar o que entendo ser uma paixão por alguém. Posso encontrar rostos e vozes que me ajudam a compreender as artimanhas do destino. Posso até me calar na contemplação dos dias que poderia passar ao lado dela. Tentar montar na minha lembrança os detalhes de cada segundo, cada instante que não deve ser desprezado. Posso sonhar com o vigor de uma imaginação criativa e sensível, forte e sensual, que molda a minha companhia como uma rainha. Com o adorno da sua voz e cheiro, na suntuosidade de um palácio que só eu conheço. Posso beber este vento que me alisa e sentir o odor passageiro de uma alucinação permanente. Posso tremer nas entranhas ao pensar nos meus sentidos em prontidão, ao invadi-la com um beijo. E sentir a sua boca e seu hálito numa espécie sublime de ardor. Num futuro, quero me lembrar dos momentos que massagearei as suas costas, enquanto ela dormirá eterna no meu reinado desvairado, como uma menina imaculada que por vezes será, como uma gata profana que por vezes arrebatará. Posso tudo que sonhar porque a terei como companheira, a terei como amante e menina, a terei como minha mulher.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Piazza Navona


Lá embaixo, o largo turbilhona-se em pessoas e afazeres estranhos. Umas pintam, outras olham, muitas passam indiferentes, de mãos dadas ou sozinhas. Risadas exageradas se escondem do frio nos bares perfilados que margeiam, envolvem e empurram as pessoas para o centro da praça. Luzes amareladas tornam as pinturas mais dramáticas e douram as estátuas clássicas, que descansam eternamente nas duas pontas da Piazza Navona. E cá estou eu, em frente a uma obscura janela, dentro de um minúsculo e anônimo cômodo, localizado no segundo andar de um dos muitos sobrados que tudo amuralham. Alheado de todos, numa espécie de testemunha insignificante da cena, ofego um pouco após subir um grande lance de escada. Para a bela ragazza que me convidou, devo engolir a evidência do meu cansaço e esconder a debilidade do meu corpo.

-  Vuoi qualcosa da bere?

Creio que ela percebeu minha inquietude, já que seus grandes olhos castanhos me encaram sem erguer a cabeça, como se olhassem para cima numa falsa impressão de fragilidade. Além do econômico e cortês sorriso que enfeita a pergunta. Elegante jeito com a pretensão de me deixar a vontade.

- Un bicchiere d'acqua, si prega.

Enquanto ela caminhou para buscar a água, pude perceber mais atentamente o cômodo. Nada tão diferente daqueles pelos quais passei na cidade velha. Móveis clássicos, corredores estreitos, papéis de parede acastanhados e um tanto desgastados. Sempre aquela velha mobília prensada em pequenos apartamentos, com janelas econômicas de luzes a escurecer tudo. Eram tantos detalhes, mas eu não estava com ânimo de vasculhar as histórias de cada peça. Fiz isto nos primeiros anos da Itália e confesso que estou cansado. São sempre parecidas: uma estátua de resina copiada do Degas, um abajur de bronze comprado num antiquário de Troyes e assim por diante. Preferi prestar atenção nas fotografias em preto e branco presas numa das paredes, que se penduravam numa forma harmônica e geométrica. Não conhecia a maioria das pessoas que lá estavam; umas poucas pareciam com alguns amigos da faculdade, outras me pareciam muito antigas, denunciadas pelas silhuetas imprecisas e tons de sépia . Parei a atenção numa estranha fotografia, que tinha um jacaré erguido entre ela e um senhor mais idoso. O claro da barriga do bicho contrastava com uma espécie de beirada de lago ou rio. Quando aproximei o meu rosto para observar mais detalhes, ela chegou com a água. Meio sem jeito pelo flagrante, perguntei apontando o indicador para a garota da foto:

- sei tu?

- No! È mia bisnonna.  Ela respondeu com um ar de severidade, quase que chateada, pelo que supus dos vincos na sua testa. E é claro que havia apreensão! A foto era tão velha que eu me perguntei como eu pude fazer uma alusão tão idiota? Obviamente, naquele instante eu estava ligeiramente constrangido e acredito que ela percebeu isto na minha face, pois me presenteou com um belo sorriso e explicou que a foto era de uma expedição na África de Giuseppe De Reali, que aconteceu em 1929. Quando terminou, permaneceu com o sorriso adornando seu rosto. Segundos, minutos ou séculos se passaram com aquela imagem até que ela se lançou num ligeiro salto para me abraçar e me beijar. As peças de roupa começaram a abandonar os corpos de uma maneira frenética. Meu blazer, o suéter dela. Em passos descompassados comecei a empurrá-la para a porta que parecia ser do quarto.  Meu sapato, a sandália dela. As mãos arrancavam tudo. Minha camisa, a camiseta dela. Ela estava sem sutiã e, quando comecei a olhar seus seios, encostamos na cama. Ela se deitou com a perna para fora e eu embasbaquei.

Aquele quarto era um verdadeiro santuário, nunca vira tantas estátuas de santos antes na minha vida. Pelos menos tão juntas assim. Tinha de todos os tamanhos e materiais. Cerâmica, madeira, bronze. Era um verdadeiro mausoléu de imagens de pessoas mortas. Imagino que o meu queixo estava caído quando o lencinho que estava no punho dela atingiu o meu rosto. Ela estava na cama, branquinha, emoldurada pelo amassado da colcha. O sorriso agora era malicioso, com um ligeiro mordiscar de língua e um olhar penetrante, que fitava o meu peito. Pus as minhas mãos nos seus quadris e puxei a calça para fora das pernas. Aproveitei para segurar a calcinha e as meias para também arrancá-las. Joguei a calça para o lado com força e ela atingiu um dos santos, o derrubou e arrancou sua cabeça, afastando-a poucos centímetros do corpo. Vi rapidamente a cena do falecido, porque a calça logo caiu e serviu de manto para o decapitado. Novamente pasmei! Matei o santo.

Ao que parece, ela não percebeu. Sentou-se na beirada da cama e começou a tirar o meu cinto, desceu a braguilha e o buscou enfurnado na cueca.  Engoliu-o de uma forma espremida e molhada. De início, foi apenas carinhoso porque ele não estava de uma forma adequada, teso por assim dizer. Também, com toda aquela gente me olhando, parecia que eu estava no meio da torcida do Roma, numa final no Estádio Olímpico. Os olhares serenos, a criança no colo do Santo Antônio, aquelas túnicas ascéticas não combinavam com uma presunção de depravação.  Mas vamos lá, creio que rezei calado para que todos me perdoassem e eu acreditei que era o certo a se fazer, por menor que fosse a minha fé.

- Congregação de santos, escutai minha prece. Rogo que passeiem pelos belos campos dos céus para que eu possa comer esta bela italianinha.

Parece que deu certo, pois algo intumesceu no meu ventre e já sentia aquela boca quente se mexer com vigor pela extensão do meu prazer. Ela pôs as mãos nas minhas nádegas, cravou suas unhas e afundou sua face com vigor.

- hummmmm – gemi intensamente.

Não tive dúvidas em retribuir. Peguei o seu corpinho e a arrastei para o meio da cama. Abri as suas pernas e dirigi minha boca para aquela vagina, com seus lábios rosáceos e molhados. Mas eu me esqueci da medalhinha de São Francisco que trazia no pescoço. Acabara de comprar no Vaticano numa espécie de redenção da fé, numa das milhares que fiz na minha vida. No instante que eu me aproximei, a figura do meu santo se alojou sobre o clitóris dela, com uma expressão mansa e humilde.

Nada mais aconteceu naquela noite. Mal me lembro por quais ruelas eu passei. De qualquer maneira, são todas iguais mesmo. Lembro apenas do Panteão que, se estivesse aberto, rezaria uma espécie de reclamação por terem estragado aqueles momentos com um conluio tão grande vindo das profundezas do Céu.

Profundezas?

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O Grito


Foto tirada pelo autor no Centro Cultural Recoleta - Buenos Aires

O peso dos dias atarracados por um cotidiano intolerante arqueia as minhas costas. Dobro-me à vontade absurda do querer, que me transporta pelos caminhos obscuros dos desejos que se prendem tênues a alguns objetos, pretensiosamente chamados de conquistas. O sol atravessa o firmamento e, com sorte, uma lua cheia também o fará. Eventualmente uma chuva de verão lavará minha angústia. Esfriará meu rosto e os pensamentos que constroem uma ficção de mundo. Onde nada é tão real quanto a mentira do viver, do se relacionar com outros desejos, do compartilhar fatos com outros egoísmos. Sob os indiferentes caminhos solar e lunar um corpo para. Uma mente para. Uma vida mundana para na demência dissonante dos escapamentos, na opacidade cinza e fedorenta das fumaças, na deselegância de mendigos e meninos que correm erráticos pelas calçadas. Tudo para numa espécie de silêncio momentâneo com ares de eterno. Um calar tão imenso que prenuncia a inexistência, a ausência, a morte. Soterrado pela surdez, inconformado com o estático dos objetos e das pessoas, feito estátuas inexpressivas com olhares de peixe e seus perfumes baratos a catingar qualquer ambiente, eu me aquieto. Castigo um vodu de mim, um flagelo de gente apinhado de marcas de passados não tão bem passados. Martirizo minhas aspirações através de uma imundice de anseios, talvez receios, postados lentamente pelos anos que me trouxeram até este beco. Onde não há ninguém, exceto a solidão. Onde não há vozes, nem toques, nem cópulas. Meu corpo está inerte, insensível e desfalecido, numa espécie de prisão do destino. Não há dinheiro que compre fugas, ou determinação que as inspire. Apenas calo para acumular as minhas últimas forças, aquelas extraídas do que sobrou da minha vontade, e grito, Grito, GriTO, GRITO, GRITO, GRITO, GRITO, GRITO, GRITO.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A Paz do teu Beijo


Pega-me tranquilo. Na paz de libertar o meu corpo no teu. Eu não tenho certeza dos caminhos que o meu destino irá impor, nem quanto tempo sobrará na contagem daquele relógio. Talvez um instante não seja suficiente. Ou talvez séculos não sejam suficientes para encontrá-la e beijá-la.  Eu nem imagino os carinhos que o meu desatino irá dispor, nem quanto alento restará no decurso do eterno. Quero apenas consumi-la com a urgência de quem sou, por estas ruas e vielas que se deitam no meu cotidiano, pelas favelas de pensamentos onde estacionei a minha lógica. Nem quero dizer com isto que o falar é deselegante. Como uma prostituta ele se veste de tons berrantes para calar, e de cores sombrias para gritar. Numa espécie de gangorra que leva a ilusão do êxtase à prostração e põe na minha boca o hálito da indignação. Pega-me tranquilo no colo imenso dentro do conforto do teu corpo, onde os labirintos que levam ao prazer já foram desvendados pelas minhas mãos, pela minha boca e pelo meu pênis. Pega-me indócil em obter um último beijo, um último adeus que ficará na eternidade da minha lembrança.

sábado, 12 de outubro de 2013

Tempo Insignificante


As palavras de ternura, persistência, maturidade e abnegação são motivadoras, mas isto me faz lembrar algo mais obscuro. É dito que as palavras ritmadas pelo coração e a poesia são espelhos desfocados da alma, embora me contradizem ao me alumbrarem. Não sentir o toque de uma companheira é a pasmaceira da ausência infecunda de nós dentro de nós, que dicotomiza o querer e o desejar. Queria ter as palavras femininas, leves e contemplativas que trazem a emoção para o coração, na medida em que nele ressoa.   Eu não tenho vontade suficiente para me entregar ao conhecimento. Tenho uma relação leviana com os meus pensamentos, abandonando-os tão logo entram na maturidade. Posso dizer que os prostituo. Posso dizer que me prostituo ao ficar longe de qualquer abraço, ao ficar longe de mim, ao ficar sozinho. Onde está esta vontade? Em qual madrigueira foi largada a criança que antes existia em mim. Qualquer lugar longe de mim é confim. Qualquer espaço que não este é um traspasso do aceite. Qualquer mão que não outra é açoite na minha noite.

Evidências e imaginação são motores da argumentação. Porém, diferentemente do cientista metódico, o escritor procura a sugestão. Nada cria em si. Apenas na reflexão distorcida da sensibilidade é que se obra algo significativo. A ausência pode ser uma entidade da mesma forma que a abundância. A solidão pode ser um labirinto, ou a motivação da existência. Depende de como lemos o que se escreve. Depende de como a semântica cotidiana e coloquial influencia a compreensão. É claro que existem universalidades que transpassam séculos. É claro que existem genialidades que refreiam o tempo. O escritor está aqui como um canal do que se sente. Na captura semiológica do seu mundo, envolvendo-o numa prisão sem portas para o entendimento de que a alma é cativa da substância, mas feita de liberdade. E quando há o equilíbrio confesso das tendências do espírito, os minutos que giram os relógios são insignificantes.

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...