sexta-feira, 11 de julho de 2014

Pirâmides

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pyramids_of_Geezeh.jpg

A primeira pergunta que aqueles já introduzidos nas áreas de química, física ou engenharia é: por que se utilizaria o arseneto de gálio se o silício é tão abundante no planeta? De fato, o arseneto de gálio é mais quebradiço, mais caro e mais difícil de obter. Porém, é uma verdadeira ladeira para elétrons, que são em princípio os condutores dos sinais. Eles passam muito mais rapidamente pelos dispositivos. Além disso, podemos trabalhar com frequências maiores, ou comprimentos de ondas menores. Em tal grau que aproximamos das frequências da luz, o que dá a esta tecnologia as melhores condições para a construção de dispositivos óptico-eletrônicos.

No WECIQ2006 (primeiro simpósio sobre computação quântica no Brasil) eu assisti a uma palestra do Amir Caldeira, que na época era o físico mais citado da nossa terra. Em determinado ponto ele comentou sobre a possibilidade de confinar elétrons num arranjo piramidal dentro de uma estrutura arseneto de gálio. Simplificando, o confinamento destes elétrons na estrutura possibilitaria a observação dos efeitos quânticos que precisamos para a construção de um computador quântico. Além disto, e mais importante, o Caldeira enfatizou que uma estrutura deste tipo poderia satisfazer todos os critérios de Di Vincenzo.

Xi! Apareceu uma nova figura com nome italiano! Tutte buona gente! Di Vicenzo é um pesquisador da IBM que propôs cinco critérios que, se obedecidos, levariam à implementação de um computador quântico que definitivamente funcionasse. Em outras palavras, aqueles 20-25 anos que se estimavam para uma versão comercial de um computador quântico poderiam estar superestimados. Bem! Oito anos se passaram e ainda não temos nada parecido na Apple Store. Parte disto se deve a questão de que um computador não é somente feito pelo hardware. Há também a questão do software. Ou, ainda mais fundamental, a questão matemática do software,

Mas, por que queremos tanto um computador quântico? Os computadores convencionais nãos nos servem? Já podemos tocar nas telinhas, ver objetos em três dimensões, jogar com impressionante qualidade visual e ótimos efeitos sonoros, falar para que eles nos entendam, etc. Porém, os computadores ainda são burros. Por mais funcionalidades que adicionemos neles, comercialmente não temos nada além da capacidade de processamento de um cérebro de uma mosca porque tudo fica limitado a algoritmos ou programas que são armazenados e executados no computador. Se o computador quântico puder ultrapassar esta barreira algorítmica, com uma rapidez monstruosamente maior, certamente ele viria de encontro para promover uma nova revolução na humanidade. Quem sabe se não seja possível implementar a “verdadeira” inteligência artificial?

Mas nem tudo são flores. Em 2000 o Clay Mathematics Institute of Cambridge anunciou o que foi denominado como The Millennium Prize Problems. Ou seja, sete problemas cujas resoluções darão prêmios de um milhão de dólares cada. De lá para cá, apenas um deles foi solucionado, exatamente a conjectura de Poincaré pelo russo Grigori Yakovlevich Perelman. A despeito do folclore de ter um cientista emblemático barbudo e desempregado, que recusa por duas vezes um prêmio de um milhão de dólares (ele também recusou o prêmio EMS e a medalha Fields), um dos problemas não resolvidos da lista do Instituto Clay é sobre a equivalência dos problemas P e NP. Em palavras, estas siglas significam problemas fáceis de achar a solução, para a primeira, e fáceis de verificar a resposta para a segunda. Além de muita matemática para ambas. A questão é que este é o tema central que definirá as perspectivas dos computadores quânticos. Os computadores convencionais trabalham melhor com os problemas P, ao passo que os quânticos apenas evoluíram para algo que chamamos de BQP, uma espécie de superconjunto do P. Se a humanidade conseguir efetivar que os quânticos lidem eficientemente com problemas NP, o futuro seria muito promissor, já que haveria (ou poderia haver) sistemas híbridos que lidassem convencionalmente com os problemas P e quanticamente com os problemas NP.

Para finalizar, volto para a nossa viralatisse. Tínhamos os recursos humanos, a vontade e a vocação científica para encarar os desafios deste grande projeto. E por que não o fizemos? Como nação, perdemos muito tempo com questões que, a meu ver, são circunstancias, efêmeras ou irrelevantes. Enquanto deixamos aquelas, que evidentemente poderiam subsidiar a construção de um país mais próspero, ao esquecimento pela falta de priorização. E assim nossa reforma política foi para o ralo, deixando eleições caríssimas consumirem os recursos do país. Tratamos de assuntos importantes, como a pobreza, com soluções momentâneas, que também sangram o Tesouro e deixam um legado tão curto quanto o das mentes que o idealizaram. Discutimos ideologias tão arcaicas e obtusas quanto os objetivos daqueles que promovem a discussão.  Tudo que está a nossa volta demanda reformas, que são sempre postergadas para os próximos mandatos. Apenas latimos para o futuro e para o mundo, mas temos medo de viver neles, confirmando sempre a tese do Nelson Rodrigues.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Peter Brian Medawar

http://pt.wikipedia.org/wiki/Peter_Brian_Medawar

Obviamente poucos dos que me leem saberiam dizer quem é Peter Medawar. Acredito que a grande maioria nem acertaria por melhor que fosse o chute. Porém, quase todas as pessoas que vivem no Brasil podem dizer quem foi o capitão da Copa de 1970. Ou conseguem relacionar vários nomes de esportistas e políticos que compõem o que eu poderia chamar de panteão das nulidades de um país estranhamente vinculado às coisas fúteis. O próprio Peter, título deste post, somente tem relação com este país pelo fato de que ele nasceu no Rio de Janeiro, nada mais. Sua carreira se desenvolveu e se consolidou na Inglaterra. De qualquer maneira, é o único nome que aparece na lista de prêmios Nobel como brasileiro. Curiosamente existem apenas quatro argentinos, ao invés dos cinco que eu citei e que estão sepultados no cemitério da Recoleta. É que a lista da Wikipédia aponta o país cuja carreira se desenvolveu ou iniciou, ao passo que a lista da Academia Sueca aponta o país de nascimento (nem é preciso falar que na lista da Wikipédia o Brasil nem aparece). No item Argentina, a lista da Academia Sueca não cita o parisiense Luis Federico Leloir, Nobel de Química em 1970. Como o Nobel brasileiro, este Nobel francês é acidental, pois a família de Federico costumava viajar constantemente para Paris a fim de tratar a doença do seu pai. Acidentalmente, lá ele nasceu.

Mas não importa, o fato é que quando visitamos a Recoleta os argentinos falam com orgulho das tumbas dos seus laureados, e podem citá-los. A gente fica com Pelé, Senna, Guga e uma penca de irrelevantes políticos. Os argentinos falam com (merecido) orgulho sobre Ricardo Darín, enquanto aqui, salvo raras (e antigas) exceções, somente citamos nomes das versões atualizadas e tupiniquins das óperas-bufas, que inundam nossos cinemas e se propagam como comédias. Nem vou me prolongar muito nesta fúnebre e chuvosa quinta-feira, com os brasileiros de luto e baixa autoestima pela vergonha de um sete a um que não tem a mínima importância. Apenas me permitam citar novamente o sempre moderno Nelson Rodrigues ao dizer “o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes”. Não é o que parece pelas ruas e conversas pescadas, infelizmente.

Sempre grande Nelson. Tão grande que esta famosa frase é citada como sendo de autoria de Arrigo Sacchi, ex-técnico da Itália, que a usou sem fazer referência ao autor. Pois é! Primeiro mundo também rouba ideias, e é neste contexto que eu gostaria de falar sobre a Pirâmide de Arseneto-Gálio na próxima postagem. Nada a ver, e tudo a ver. Quanto à frase, é possível que tenha sido mesmo do italiano, o que não desmerece a afirmação de que primeiro mundo também rouba ideias. Mas Internet aceita qualquer besteira. Ao comentar a frase com meu amigo Érico ele se lembrou de outra atribuída a Abraham Lincoln, o que me faz desconfiar de tudo que se lê por aqui (incluindo esta postagem): "The problem with internet quotes is that you can't always depend on their accuracy".

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Onde está a poesia? (Final)

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Redheart.png?uselang=pt-br

Não! A poesia está no coração.

Tenta-se a métrica ritmada, o formato disposto em versos e a sonoridade de rimas para tentar induzir algo como música, cujo ritmo poderia domar os dragões do desejo, obstar qualquer leitor ante os precipícios da melancolia, ou simplesmente ecoar no íntimo da personalidade. Nesse sentido, a poesia empresta à literatura elementos da música, como o lirismo, a harmonia, a dinâmica temporal, a ressonância e (por que não dizer?) o timbre. Mas ela está no querer. Nunca estará no acaso. A poesia pode estar numa conversa com um pescador esquecido na longínqua Barrinha (Ceará), ao explicar com firulas retóricas como ele avança 200 km mar adentro e retorna na mesma praia alguns dias depois. A poesia pode estar em algumas passagens da maravilhosa Herta Muller, ao contar o sofrimento das pessoas nos campos de trabalho russos que se disseminaram pelo país após a II Guerra.

A poesia pode estar em qualquer lugar, mas ela precisa de um coração sensível para existir e da vontade para ser achada.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Next Station, Anhangabaú

http://commons.wikimedia.org/wiki/Alan_Turing#mediaviewer/File:Turing_Plaque.jpg

Repentinamente, após um esquisito efeito sonoro, as mensagens do metrô começaram a ser traduzidas para o idioma inglês. Agora, a grande massa de turistas estrangeiros que vieram para copa, formada majoritariamente por países onde predomina o idioma espanhol, pode entender qual é o nome da próxima estação. Eu vi muitos argentinos, colombianos, uruguaios e chilenos, poucos cidadãos de outros lugares. Mas isto definitivamente não importa, mesmo que na França eu tenha que me preparar para entender o que é droite ou gauche, ou perceber que FranqualanRosevelte é a estação Franklin Roosevelt. O que é relevante é que esta discussão trouxe na minha mente uma história interessante. Porém, o que entrelaçamento (creio que seja o que conheci por entanglement antes dos iberos lusos meterem a mão, ou opinião) tem a ver com as estações de metrô? Tudo e nada. Obviamente, o que se faz num trem na estação Barra Funda não implica movimentações de outro trem na estação Jabaquara, exceto em casos de greve onde parece haver uma simultaneidade orquestrada. De qualquer maneira, o que se faz aqui é reflexo do que pensamos ocorrer no mundo dito civilizado. Uma tentativa vira-lata (para se usar o termo démodé do sempre moderno Nelson Rodrigues) de querer parecer primeiro mundo. E isto me leva a questão do méson-pi e do Cesar Lattes, que muitos de você somente o conhecem por causa do nome do sistema de gestão de curricula acadêmicos. Lattes foi o primeiro a descrever o méson-pi na revista Nature, mas quem levou o Nobel foi o britânico Cecil Powell, seu companheiro de pesquisas. Naquela época, nosso viralatismo usava baldes de piche em picos do Chile, ao invés dos modernos e caros aceleradores de partículas, o que pode ter arrazoado seu esquecimento pela Academia Sueca. Paciência! O placar permanece Argentina 5 x Brasil 1 em números de Nóbeis, o que eu considero muito mais relevante do que quantidade de copas do mundo.

Em 2006 eu fui penetra no primeiro evento sobre computação quântica no país, realizado no Rio Grande do Sul. Mas não vou falar que foi em Pelotas para não zoarem comigo. Consegui entrar como uma espécie de representante da USP e, para parecer que não estava boiando tanto, tive que manter a minha boca calada o maior tempo possível, e fazer cara de coruja atenta.  Penetra mesmo, mas bem intencionado. Larguei a física na década de 80 traindo-a com a ciência da computação. Ocorre que neste século as duas ficaram amigas em torno da QTM. Para quem não sabe, o “T” da sigla é do Alan Turing, o primeiro a descrever como uma máquina que ainda não existia deveria funcionar: o computador. Tecnicamente, todo computador é uma máquina de Turing, e agora vocês podem suspeitar o que é o “M” (machine). O “Q” é exatamente a aliança que ligou as duas áreas do conhecimento, ou seja, a quântica. Como todo interessado em novas fronteiras da ciência da computação, especializado em criptografia, eu precisava me inteirar sobre o assunto. É uma boa intenção, não?

Bem! Continuarei depois neste blog para explicar a pirâmide de arseneto gálio, os critérios para viabilizar um computador quântico, a questão que vale um milhão de dólares (equivalência P x NP), entanglement (eu prefiro a tradução literal: emaranhamento), onde tudo é processado e o que eu estou fazendo aqui?

Tudo o Que Tenho Levo Comigo - Herta Müller


“A urgência do desejo e a perfídia da felicidade há muito fazem parte do meu passado”.

“Uma velha russa a abriu, pegou o carvão e me mandou entrar. O quarto era baixo, a janela ficava na altura do meu joelho. Sobre um banco estavam duas galinhas magras e cinzentas. Uma das galinhas tinha a crista caída sobre os olhos, balançava a cabeça feito pessoa sem mãos com o cabelo caído sobre o rosto”.

Confesso que é difícil caracterizar este livro da Herta. A narrativa te transporta de amarguras a encantos, de jocosidade a graça. Monta cenas de tristezas sem melancolia, aquiescência sem mágoas. Há passagens em que o discurso vasculha o íntimo, mas longe de teorizações psicológicas ou sociológicas. São visões de um jovem que amadurece no constrangimento de uma situação imposta pelo stalinismo, que utiliza seu esforço, e seu corpo de ascendência alemã, como um despojo de guerra. Principalmente dentro de cinco anos que o protagonista fica enclausurado numa espécie de campo de trabalho forçado. Um dentre vários que foram feitos para a reconstrução da Rússia após a Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, o entendimento que este jovem tem da conjuntura não proporciona mágoas ou ressentimentos. Apenas o induz a uma adaptação a uma situação que foge do seu controle ou vontade. E neste ambiente ele constrói outra vida, com personagens que são colocados ao seu lado na penúria, ou fazem parte daqueles que mandam ou se aproveitam da situação. Além de outros inventados, como o Anjo da Fome, que possui a onipresença na míngua dos seus dias e o mantém no limbo da vida. E assim ele passa pelos dias e narra a significância dos pequenos momentos e objetos deste novo mundo. Detalhes que passariam despercebidos na “urgência dos desejos” ou na “perfídia da felicidade”, mas assumem uma importância quando todo o restante lhe é extirpado. Logo de início aparece a erva-alheira, que nasce na aleatoriedade dos campos e fendas do chão. Sabe-se então qual é a melhor época do ano para comê-la, ou acrescentá-la na sopa. Brinca-se com a semântica do seu nome, com as fibras que retiram o mastigável do seu sabor no inverno. Conhece-se os diversos tipos de neve, a melhor pá para se retirar o carvão dos trens, a mistura correta de cimento para que não se quebre os quando se armazenados. Conhecem-se pessoas estranhas, como o marido que toma a comida da mulher anuída por tradição. Sabe-se dos piolhos e dos pentes artesanalmente construídos para retirá-los da cabeça. Das galinhas magras e cinzentas e de pessoas sem mãos. Vive-se enfim num mosaico, ou num calidoscópio acinzentado pelos lugares esquecidos pela história. Mas se vive na narrativa deste excelente drama.    

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Bate-papo com Paulo Andrade, ou Besteirol Desestruturado


24/06/2014

É Paulo! Esse clima de Copa me faz lembrar que eu estive em outra torcida recentemente. Na arquibancada eu torcia fanaticamente para que as “cordas” puxassem um universo mais elegante. Daquele tipo de uma estética lógica ímpar, onde todas as conclusões são derivadas de um pequeno conjunto de afirmações e axiomas simples. Infelizmente eu não tenho mais o domínio da instrumentação necessária para compreender os detalhes, os dribles, as firulas e as estratégias da evolução matemática que prometia revolucionar o âmago da Física. E ela me parecia um tanto complexa, a tal ponto do Brian Greene filosofar em algum dos seus livros se o mundo real não seria complexo de fato. De qualquer maneira, eu me comprazia com a ideia de que a inconstância na aceleração da expansão do Universo poderia ser devida às flutuações de bramas próximas, ao invés de uma sinistra matéria escura mutante, cujas hipóteses de existência se ancoram em noções extravagantes sobre a realidade das coisas. Whatever! O Paul, teu xará, já foi laureado. Aquela matemática maluca que inseria equações nas contorções estranhas e 10-dimensionais da geometria Calabi-Yau, ou 11-dimensional na Teoria M, ou ainda 12-dimensional na Teoria F, parece ter cansado os mais veteranos e assustado os iniciantes, que temem perder suas carreiras num espaço pouco compreendido. No fundo, qualquer outra teoria que procure explicar o Modelo Padrão, atolado de partículas, precisaria de mais partículas. E o que aparentemente temos de melhor é a supersimetria.

Para aqueles desavisados que insistiram na leitura até aqui, é importante citar que este artigo que o Paulo deixou na minha linha do tempo advém de uma discussão que começou nos anos 70, com a mais assimétrica coisa que se conhecia à época: férmions (partículas) e bósons (forças). Precisava-se de uma teoria que explicasse as lacunas do Modelo Padrão. Ou seja, por que umas partículas são mais pesadas que as outras? Por que existe um determinado número de férmions? A explicação seria a supersimetria? Pois é! Uma simetria deve conjugar comportamentos destes dois componentes da Natureza, que tudo formam. E neste contexto foi importante a observação de que o bóson de Higgs pode decair em outras associações de partículas e forças para que o Modelo Padrão tenha suas interações teóricas comprovadas experimentalmente. Faltava a partícula. Também é importante dizer que existem dois grupos no LHC, denominados CMS e Atlas. Se as observações forem feitas pelos dois grupos independentes, a chance de erro toca o improvável.

Mas nem tudo são flores. Para que toda a edificação do Modelo Padrão seja sólida, para que não haja um prostíbulo de partículas se interagindo (que no final das contas nos levaria imediatamente a um enorme buraco negro), é importante postular a supersimetria e, consequentemente, achar as “supercompanheiras”. O Modelo Padrão não explica tudo. Funciona analogamente quase como a teoria clássica da mecânica newtoniana (funciona, mas há detalhes a serem investigados). O LHC parece ter energia suficiente para que seja possível criar as pesadas supercompanheiras e colocar o amálgama na nossa compreensão da Natureza. Porém, até o momento, elas se escondem.

30/06/2014

Poderá existir algo que transcenda nossa percepção? Não veríamos o Universo de uma forma subjetiva? Neste contexto, ainda estamos na classificação que Aristóteles deu ao (digamos) Grupo Jônico: observadores da Natureza. Obviamente, a quântica mostra (e ninguém consegue contestá-la) que definitivamente Deus joga dados. Deus, Tao, Lula, seja lá o que nossa arrogância de criação onipresente cegue o discernimento. O fato é que todos os eventos não passam de borrões de realidade e nós, organismos biológicos, cujos sensores energizados permitem apenas observar uma fração de realidade, justamente aquela necessária para manter nossas vidas animais, moldamos a compreensão para transcender as necessidades imediatas. Com um instrumental limitadíssimo, é claro.

Daí, cada encruzilhada que passamos nos leva a outra encruzilhada. Por exemplo, dentro do que eu me lembre da Teoria M, existe uma experiência sugerida de criação de universo. Isto é, junta-se um bando de físicos e engenheiros numa espécie de LHC planetário (ou galaxial, quem sabe?), acelera-se algumas partículas e bum! Cria-se um universo novinho em folha através de um big bang. Depois de frações de segundo, a brama se separaria da nossa e continuaria a criar seu próprio espaço. Poderíamos pensar em ajustar algumas constantes físicas para gerar mais planetas, ou diminuir a quantidade ou intensidade dos raios cósmicos para termos mais chances de vida. Ou seja, um dos físicos poderia ser o deus do trovão, o outro deus dos mares e o coordenador seria Odin. O que é isto? Hierarquia de deuses? Seremos deuses num futuro (se não destruirmos nosso planeta antes)?

O curioso é que ao se perscrutar os céus não percebemos nem um mísero sinal de radiação gerada por vida inteligente. Universo burro! É claro que quando o SET foi estabelecido pouco se falava das circunstâncias especiais que fizeram este belo planeta ter chances de vida. As mais importantes foram o bombardeamento inicial de cometas aquosos e, principalmente, a trombada com Thea, que criou a Lua (protegendo-nos de objetos espaciais e estabilizando o clima), esquentou e proveu momento angular para o núcleo do planeta (o que possivelmente criou o campo magnético que nos protege dos raios cósmicos e do vento solar) e deformou nossa superfície ao criar as placas tectônicas e, consequentemente, os continentes. Bem! Poderíamos ser peixes se assim não acontecesse. Glu, glu... A inteligência do córtex é exceção também. Custa muita energia. Tanta que nenhum outro animal a tem...  Se fosse uma vantagem evolucionária, estaríamos agora vendo uma copa do mundo com toda espécie de animais. Gorilas contra macacos-prego. Os beques poderiam ser elefantes, ao invés do loirinho André Luiz. Eu escalaria para o gol uma baleia azul!

Por fim, a matemática. Diferentemente das religiões e do lulopetismo, onde existe uma filosofia (se é que podemos chamar assim) com base dogmática, a ciência tem estruturação axiomática. A matemática, com sua força lógica, é a sua linguagem. A questão básica é a determinação da possibilidade da complexidade na descrição dos eventos, ou se a crença dogmática dos cientistas, de que tudo pode ser reduzido a um núcleo elegante de explicações lógicas, é verdadeira. A “verdade existe” é um axioma que remonta aos gregos, se não me engano. Ela existe?

quarta-feira, 28 de maio de 2014

O Primeiro Livro


Depois de tanto tempo, finalmente eu publiquei o meu primeiro livro. Atualmente ele se encontra disponível em dois formatos. O primeiro é eletrônico e está disponível na Amazon para o Kindle. Para acessar o site, basta clicar no link abaixo:

Retalhos da Alma - Kindle

O segundo formato é o impresso, que pode ser acessado através do link abaixo:

Retalhos da Alma - Versão Impressa

Quanto aos leitores que não possuem ou não querem utilizar o Kindle na versão eletrônica, peço um pouco mais de paciência porque eu liberarei uma versão em PDF na Livraria Saraiva.

Basicamente, o conteúdo do livro são os textos que estavam colocados neste blog e no meu outro espaço, chamado de Invenção do Romance. Esta é uma oportunidade para quem quiser reler aqueles textos, ou para pessoas que apreciem o meu estilo.

Um grande abraço.
Checon

sexta-feira, 21 de março de 2014

Inocência


G.Helnwein - Painel na entrada do CCBB - São Paulo - SP - Foto tirada pelo autor

Amar!  Nas palavras transviadas de Mário de Andrade: um verbo intransitivo. Pecar, outro verbo cujo mérito surge na dependência dos sistemas de valores de cada pessoa. Amar é inexplicável se quisermos uma precisão lógica confortável. Pecar é mais claro porque se referencia no que acreditamos. Porém, eu poderia pecar se disser que não acredito em amor? Ou poderia amar se disser que acredito no pecado e o relego da minha vida, pela força do meu livre arbítrio? Da poesia de Neruda eu trago um verso que diz: “amo o que não tenho”. Amo uma imagem que criei em todo o meu próprio exercício de viver. Uma imagem de mulher que ainda não existe e possui atributos harmônicos com o quais eu suponho sentir os vestígios da felicidade.  Mas peco em não lhe dar formas na minha realidade.

Neste momento talvez ela seja uma garota que surge ao lado do menino que está no meu coração. Os anos que o infortunaram transformaram a lascívia dos seus sentimentos em doce ternura. Nada há mais para se desejar, a não ser a inocência de perceber que o mundo não é mais o mesmo. Que as pessoas envelheceram. Que a amargura petrificou o seu coração.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Onde está a poesia? (Parte II)


Pablo Neruda! Não seria elegante chamá-lo de um menestrel das ideias românticas porque a dimensão da sua criação vai muito além disto. “São mais tristes os molhes quando atraca a tarde”! É uma pena que o encanto dos versos vindouros se perdeu com o seu falecimento. É verdade que o declamar ritmado das suas poesias decreta uma solidão tão imensa, que a vontade de continuar a lê-lo não acaba mais, no retiro de palavras que te levam para dentro do íntimo romântico, da necessidade de comungar o amor. Eu me lembro da primeira vez que ouvi a citação do nome do poeta, através da música “Trocando em Miúdos” do Chico Buarque (“devolva o Neruda que você me tomou, e nunca leu”). Quem é Neruda? Perguntava-me. Conheci-o através de uma canção desesperada um pouco tarde na minha vida, é claro. O que é de se estranhar, para as pessoas que hoje me conhecem. A pergunta que imagino fazerem nas minhas costas é como alguém que tanto aprecia poesia não leu Neruda mais cedo? Bem! Há explicações, como há momentos na vida em que largamos um assunto e, depois de passados muitos anos, nem bem entendemos as razões. Depois de São Paulo eu fui morar numa pequena cidade do interior do Estado. Não muito distante para o meu padrão de hoje, mas longe demais para aquela década de 80. Isto é, era inviável viajar até São Paulo para visitar a Biblioteca Municipal da Celso Garcia. A da cidade era mais apropriadamente classificada como medíocre. Livros velhos, empoeirados, doados. Folhas rasgadas ou faltantes, assuntos que dependiam mais do gosto de nobres almas, que enchiam as prateleiras e seus sensos de dever cumprido com doações culturais. Esta foi e é a situação da maioria das cidades brasileiras. E para entender a gênese desta característica comum, basta entrar numa Saraiva para perceber que o lugar mais cheio é o das revistas. Temos uma cultura de bancas de jornal, não de livrarias ou bibliotecas. Naquela pequena cidade Neruda nunca perfilou entre o Patativa do Assaré e a culinária da Dona Benta. Mas eu também nunca fui ao seu encontro em prateleiras alheias. Era uma época de definir o que eu queria para o futuro, e a escrita não estava nas minhas cogitações. Eu gostava de matemática!

De qualquer maneira, trinta anos se passaram. Se fosse possível hibernar desde a década de 80, um cidadão feito um urso citadino perceberia alterações profundas na sociedade, no uso da tecnologia e no comportamento das pessoas. A primeira coisa que acharia insólita, se não assustasse os transeuntes com a falta de banhos, seria que todas as pessoas ficam concentradas num pequeno dispositivo, parecido com uma carteira. Telinhas coloridas, barulhos estranhos, fios que saem da caixinha e entram nas orelhas. Ninguém olha para frente, baixam a cabeça e dedilham freneticamente desenhos que não compreende. Na televisão grande e fina, poderá notar que nas tardes de domingo não existe somente o Sílvio Santos, há uma infinidade de canais.

- Ufa! - O Sílvio ainda está lá. A macarronada com almôndegas também engorda os que sentam à mesa.

E ele continua com os cabelos pretos e a mesma risada. Parece embalsamado naquele anúncio tácito de que o fim de semana está perto do fim. Ainda se pode sentir a mesma angústia do prenúncio da segunda-feira, fato que nada mudou nestas décadas. Entretanto, mesmo com a constatação de que nem tudo se descaracterizou, algo incomoda o fictício hibernante. Umas pequenas caixas, algumas com uns dois quilos, outras ainda menores, se espalham pelas casas e escritórios. Parece que o mundo está inundado de computadores, tablets e smartphones. Tudo gira em torno deles. Trabalho e lazer. As pessoas conversam pelo Facebook, Whatsapp, Twitter, Skype. Algo que faz o filme 1984 parecer ingenuidade negativa. Se o Big Brother existe, conforme concebido por Orwell, ele vende carros da Fiat e esponjas de aço da Assolan. Porém, as pessoas escrevem o que sempre falaram desde que se juntaram em sociedade, assuntos triviais do cotidiano. Fofocas, falsidades verdadeiras, futebol, filosofia de botequim, frases de autoajuda e eventualmente algo relevante. É claro que é necessário empurrar a propaganda para o lado ou apertar um “x” devidamente escondido para excluí-la do primeiro plano. Ela, alma encarnada nas televisões de outrora, achou outra área para estender sua influência. Afinal de contas, é sempre o merchandising que tudo movimenta, que tudo justifica e, principalmente, que tudo paga.  E obviamente vai empurrar tela abaixo o que mais interessante for para seus propósitos, numa espécie de competição de todas as agências por atenção, o que demanda criatividade e perseverança dos produtores de conteúdos já transmudados em profissionais. Empacota-se uma música, preferencialmente aquela que pode ser ouvida sem muita atenção, que apenas faz chacoalhar o pé. Junta-se um rápido vídeo, que agora chamam de clip, e pagam para os mecanismos de busca colocarem na frente de outras pesquisas. A coisa toda ficou meio dissimulada, o que é muito sinistro.

De qualquer maneira, onde está a poesia?

No mesmo Youtube em que se pode assistir um rol de porcarias, como cantores que procuram imitar bodes em duplas, flagrantes irrelevantes do cotidiano como acidentes, também se pode achar a poesia do Neruda. Bem como a da Florbela Espanca, Fernando Pessoa e até do Tomas Tranströmer, último poeta agraciado com um Nobel.  É certo que o poema "The Blue House", declamado por Louise Korthals, tinha “imensas” 36 curtidas no momento em que escrevia este parágrafo (a 36ª foi minha), o que ironicamente mostra a irrelevância de um poeta neste sistema. Mas ele está lá. Em outra rápida pesquisa, sem muitos critérios, encontrei belas poesias em canções feitas por grupo chamado “Pouca Vogal”. Desta forma, eu acredito que ainda existam vastas belezas por serem descobertas e apreciadas, como eu também penso que o hibernante terá dificuldades de encontrá-las pelo simples fatos de não estarem em evidência. Nelson Rodrigues certa vez escreveu: “antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos”. Nada mais atual do que esta frase, e nada é mais verdadeiro para perceber que devemos procurar no silêncio as belezas estéticas que tocam mais o íntimo do que a exposição despropositada de pernas e sexos. O sujeito que foi tirado da sociedade por tantas décadas faria o que ele fazia no momento de início da sonolência: conversaria com outras pessoas afins nos gostos. As cafeterias ainda existem, bancos de praças também. Basta conversar para descobrirmos as chaves de pesquisas na Internet. A junção das técnicas antigas com as novas é que é poderosa.

Ah! Então a poesia está aí?

Não!

(continua)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Onde está a poesia? (Parte I)


Não escrevo estas linhas com saudosismo um tanto desmedido, nem com qualquer resquício démodé advindo de uma pessoa que não caminhou com a evolução dos costumes. A rigor, nem sei se posso alcunhar estas últimas décadas com algo parecido a evolucionárias, mas isto é uma questão que eventualmente eu discutirei, com subsídio da minha leitura do Niall Ferguson. O fato é que atualmente eu estranho a falta da poesia na música popular brasileira, diferentemente de um passado que emblematicamente eu representei pela música “Esquecimento”, do Fagner e Brandão. Esta canção está no maravilhoso álbum Orós, de 1977, que possui uma forte expressividade interiorana, vinda do sertão cearense. Além de contar com a participação de excelentes músicos, como Dominguinhos, Hermeto Paschoal (que assina o arranjo), Itiberê, Márcio Montarroyos, dentre outros. Não consigo perceber nada parecido nas rádios que gritam nos carros, quase sempre com um incômodo bum, bum, bum. Parece que no meio desta barulheira há algumas vozes sincopadas, nem tanto como recurso estético, talvez mais por deficiência do como se dizer. Não noto músicas parecidas na TV, embora eu acredite que seja por minha culpa, já que não consigo mais assistir aqueles apresentadores atrozes, que querem aparecer mais do que o assunto que apresentam.

Então, onde está a poesia?

Passei a minha infância na cidade de São Paulo. Mais precisamente na zona leste, no meio da multidão corintiana, das ruas sem árvores, de construções abandonadas onde eu empinava pipa. Nunca fui um craque – bem longe disto – mas insistia no futebol de salão na quadra da Escola Joly, bem no meio da Rua Serra de Botucatu. Aprendi a andar de bicicleta nas vias fechadas em frente às delegacias, bem no meio da revolta estudantil de 1968 quando coquetéis molotov singravam por cima das armas da polícia política para estourarem nas fachadas. Eu não sabia disto, nem aquelas crianças que me acompanhavam nas noites alegradas por aqueles lugares presenteados, no meio de prédios decaídos, estes sim ladrões de espaços. O ano terminou (ou não, conforme algumas opiniões) com o Ato Institucional nº 5. E tudo ficou negro na sociedade brasileira, embora eu pense que clareou a nossa arte.

Naquela época, as baladas dos Beatles já tinham se transformado em músicas com letras um pouco mais elaboradas, como a da longa e sinuosa estrada que leva até a sua porta. Além disso, se iniciava o processo de criação política, com as músicas de protesto que deixariam um legado de canções de alta qualidade poética, com as dos álbuns “Nos Dias de Hoje” de Ivan Lins e ”Construção” do Chico Buarque, além da beleza romântica do Vinícius de Moraes e da magnitude estética de um Tom Jobim e tantos outros. Isto me lembra de que em 1974 apareceu a versão definitiva de Águas de Março, do Tom. É extasiante pensar que uma simples obra de uma casa em Angra dos Reis virasse uma poesia musicada em mais de 50 interpretações pelo mundo. Tive o prazer de conhecer o garçom do Garota de Ipanema que forneceu o papel para o Tom escrevê-la (na realidade era aquele papel grosso que envolvia vários maços de cigarro). Pena que alguns poucos anos foram suficientes para que eu perdesse o nome dele na minha memória.

Mas, onde está a poesia?

Será que a minha geração migrou a atenção para o vigor e profundidade dos livros, abandonando assim os ritmos que, no fundo, limitariam as alternativas poéticas? De fato, conheci Maiakovski muito cedo, como cedo também me envolvi com a poesia do Drummond e recuperei as de Fernando Pessoa, um best seller obrigatório da minha adolescência. Passei rapidamente para histórias maravilhosas. Ítalo Calvino, Graciliano Ramos, Philip Roth. Mais recentemente Julian Fuks e Jennifer Egan. Música era algo vinculado aos gritos juvenis, àquela vontade de ritmar as batidas do coração com o que se enxerga no mundo. Livros são os verdadeiros alimentos da mente, que incitam a inteligência e nos permitem vagar por imaginações alheias, ao conhecer a dimensão da alma humana com os instrumentos do processo de amadurecimento. Entretanto, se somente isto explicasse o processo, todos os meus contemporâneos teriam cursado psicologia. A arte nos movimenta porque reflete o que sentimos. E o que sentimos é reflexo do mundo onde estamos imersos, da significação dos símbolos e da complexidade do viver numa sociedade que precisa constantemente ajustar a valoração dos princípios morais e éticos.

Porém, onde está a poesia?

(continua)

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