domingo, 31 de maio de 2020

Herdeiros da Sombra

Tom Murphy VII / CC BY-SA (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/)


Nos tempos decorridos quando eu mais perambulava pelas incertezas imaturas, do que tinha planos confiantes, um livro se materializou na minha frente. Obviamente não o ganhei porque nunca recebi presentes deste tipo. Também não o emprestei porque ele se acomodou numa das minhas bibliotecas por muitos anos. Até se perder misteriosamente diante da minha vida nômade daqueles tempos. Provavelmente o comprei em alguma livraria, embora eu não me lembre delas naquela pequena cidade onde vivia. Ou talvez, quando eu passei em frente a livraria do Pontes em Campinas, eu tenha vislumbrado aquela brochura branca e fina, com uma imagem sépia propositadamente desbotada de uma figura de mulher desenhada em ponta de nanquim. Curioso eu não me lembrar da imagem da mulher da capa, mas de outra que estava dentro do livro, emoldurada por uma janela, com uma das mãos segurando o semblante. De qualquer maneira, não foi a figura que me atraiu, pois apenas adornava o título “Herdeiros da Sombra”. Para aquele garoto sombrio, a associação de herdar algo tão soturno soava estranhamente muito familiar, como as Mulheres de Atenas do Chico, ou o muro do Pink Floyd. Tudo me atraía dentro da aridez de pensamentos solitários e eternos, sem contestações dentro do silêncio cotidiano e sem aquelas alusões imersas nas conversas prolongadas para dentro das noites de inverno. Foi o primeiro livro que nunca esqueci, foi o meu primeiro autor dentro de uma lista muito restrita que poucos acompanham. Régis foi e continua a ser um dos poucos que escrevem comigo e que comunga a profundidade da existência, ao mesmo tempo melancólica e feliz. Paradoxal e real, sombra e luz, talvez um não viva sem o outro, ao perceber que o que brilha é tão solitário quanto o negrume, quando um deles não existe. Passeava pelos contos curtos e profundos e pelo mistério existencial que se esboçava nas imagens cotidianas, sem perceber que o garoto rapidamente amadurecia num sentido, e se despojava dos seus sentimentos para permanecer entre as pessoas, que mal conhecia. Pois eu somente visitava e conversava com aqueles personagens que herdaram as sombras da vida.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Apenas Uma Carta



Palavras que carregam sentimentos confusos, pois parecem nascerem dos meus pensamentos difusos e imprecisos. Há algo enraizado neste íntimo que contorce desejos, numa espécie de bravata que me lança ao limbo entre os sonhos e a realidade, entre o querer e poder. Meu toque não te contorna; não percorre a tez suave e quente de uma mulher. Quase dentro de uma existência tênue, que cambaleia na metamorfose impossível da proximidade, sinto-te com o pressentimento de uma imaginação solitária, que procura corpos nas sombras cotidianas, como se lá estivessem. Decerto escrevo esta carta como se conversasse contigo, com as sobras de um homem amarradas entre paredes, longe dos passos que trazem os caminhos amplos da ausência de cidades. Sinto falta dos campos, das árvores e dos pássaros que emprestam seus piados musicados à Natureza. Sinto falta das mãos que caminham juntas com as minhas, ao destino de um horizonte incerto de rotas, mas dentro da certeza de uma presença que também quer ir para lá porque, o que realmente importa, são as mãos dadas.

À quem me der as mãos, escrevo esta carta porque o falar me cala, na mudez do meu mundo e dos objetos irrelevantes que me testemunham. O silêncio assola os dias que insistentemente apenas passam, derramados em calendários eternos e repletos de mesmices irrisórias levadas pelas pessoas que não oferecem corações. Meu universo é vasto, mas isolado dentro de um coração que não aprendeu a bater em sincronismo com outros, mesmo com todo o tempo de uma vida que já dobrou a esquina da vitalidade. O tempo urge diante do presságio da morte e me conduz aos idos estáticos, que não posso alterar a ponto de cruzar o caminho com o pulsar de outro peito. Os fatos estão lá, dentro dos passados púberes, e um pouco além. As andanças para aqui e para os “alis” não me deixaram a herança de um colo para deitar minha intemperança. Não deixaram brilhos em olhos que tudo dizem e enterram o silêncio no esquecimento da vida. Não deixaram palavras que seriam apenas minhas, dentro deste universo de ideias, sonhos e anseios.  Escrevo esta carta na esperança de um leitor.

Ao meu leitor, escrevo esta carta com o atraso de décadas e com o pasmo de não te conhecer. Mas, para quem escrevo? Quais são suas emoções que embolam tua vida, o que te surpreende e o que te emociona? Por infortúnio escrevo para apenas um alguém que ora assume uma efígie a que tudo empresto: sentidos e sentimentos selecionados de uma ternura improvável diante de um mundo apressado. Não somos mais crianças lá fora, mas podemos soltar aquilo de mais ingênuo que pereniza um amor verdadeiro: a abnegação de si por outra pessoa e a gratuidade de gostar, livre de ser mesquinho. Ah! Livre! Ao não existir aqui, libero minha expressão a ponto de não temer a tua indiferença. Livre a ponto de te querer dentro de mim e dentro de ti, num uníssono que grita na aridez desta realidade que sempre se impõe e sempre perpetua o longe entre nós. Escrevo esta carta na esperança de outra realidade.

À esta realidade, escrevo esta carta porque quero cativar sensibilidades a ponto de compreender que é possível construir um sonho dentro de uma vida, por mais caminhos que tenhamos passado, por mais adversidades que tenhamos abandonado pelos tempos findos. Quando houver mãos dadas e leitores de coração, transformarei segundos em séculos. Então mais precisarei escrever cartas que se espreitam uma procura nas esquinas e cidades. Apenas direi as palavras deste coração apertado, no livro da tua vida.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Vestes da Morte



Sonhos que clareiam o que a realidade obscurece, mas ruídos invadem meu quarto e abraçam a minha solidão. Vozes alheias, que destroem frases em indecifráveis palavras, desconexas de significados e rostos. Não há mais toques e sensações explícitas de pele, somente persiste o desejo que embriaga as longas noites. O véu descerra o que se esconde, no poente de quem somos e na distância infinda de quem queremos ser. Posso te construir como uma miragem, que se encanta pelo sorriso figurado, preso em algum lapso de memória. Quero te construir como veras ao beijar meus lábios, ao tocar e percorrer minha pele ávida. Quero te construir pelos olhos teus dentro dos meus olhos, em faíscas de emoções que chovem na tua silhueta. Mas não adornas este quarto, nem ao menos estás presas numa imagem na parede. Neste manto noturno, teu corpo se deita longe e inflige o frio da distância na minha sensibilidade, como uma brisa gelada que passa em golfada pelo meu rosto. Gela-me a vida, em calafrios desesperados na presença da ausência que se assemelha à morte. Estou só, acompanhado de mim e dos pensamentos que te flertam, mesmo que ignores meus murmúrios apaixonados.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

O Querer

Mater Triumphalis - Annie Swynnerton - Musée d'Orsay

Quero voar pelas distâncias que não percorri. Soltar-me ao querer dos ventos, velejar pelos ares de forma intocável e intrépida. Serei alçado da prostração para percorrer a lonjura colocada no teu corpo, na tua pele suave e tépida, pela qual rocei meu desejo naqueles idos que simplesmente se foram sem nenhum aceno. Num dia estavas emoldurada na minha vida. Noutro deixaste só um pressentimento nos vestígios que persistiam no quarto: a roupa arrancada às pressas, um batom gasto, um falso brilhante que se depositou no tapete. Num dia estavas linda com aquela brisa a bailar seus longos e negros cabelos e esta é a imagem que persiste nos meus sonhos incertos de sonolência. Noutro dia estavas somente numa miragem que desenhava minha saudade pelos momentos de viver. Mas qualquer entrementes te busca e ignora a delusão. A tua realidade está impregnada em mim nas lembranças obstinadas, nas vozes que sempre ouço, no toque que sempre sinto e que ignora teu aparte.

Quero voar nos furacões que turbilhonaram as paixões insanas e eternas, recíprocas ou não. Quero redemoinhar em ti na ausência das horas, no tempo extirpado do cotidiano para um amor eternal, carnal e infernal. Toda a sabedoria é descrença diante de ti, todo conhecimento é inútil e todo querer é irrelevante ao te querer e ao te conhecer. Porque não há nada mais essencial do que o exercício de te amar, que te torna única, absoluta e linda.

Quero voar nas brisas que trazem a calmaria da tua presença e fazem tuas mechas dançarem com a graciosidade da tua silhueta. Sinto falta de me deitar meu rosto na tua pelve e absorver teu aroma. Teu corpo é um refúgio licencioso e cálido, que entorpece meus sentidos pelo desmerecimento de todo o mais. Tua voz consegue me embalar e quebrantar, além de afugentar o irrisório que insiste pelos caminhos da vida. Tua voz resgata-me do chão para as dimensões infindas dos céus, sem os limites da minha presunção e repletos de horizontes.

Quero asas para encontrar meu anjo diabólico que voou para o longínquo. Quero arrancar estas correntes que atracam meus desejos no pó do chão. Quero flutuar contigo para além da vida, para além da morte, na eternidade de nós dois.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Teu Sorriso

Rosas e Anêmonas - Vincent Van Gogh (Museu D'Orsay - Paris)

Há o que paira na percepção como um quadro de Van Gogh. Desperta a sensibilidade com as pinceladas de emoção e rebuliça o íntimo com alusões não compreendidas da matéria arte. É claro que há uma significação dentro da alma e o desenho contorna sentimentos não tão precisos no tempo, nem tão claros o suficiente para se aquiescer. A tela é um espelho desfocado de um desejo incontinente preso no desconceito do cotidiano. Derrama umas poucas lágrimas sobre um rosto incrédulo dentro da insciência do querer e se vai; e sempre se esvai pelos afazeres insistentes e inevitáveis. Sinto-me incapaz de aludir o que me comove dentro da miríade de tons, do relevo quase imperceptível da tinta, como ondas e brumas num oceano misterioso e infinito. Apenas tenho aquela vazante que leva minha compreensão para a ignorância do amor, se é que se pode atribuir um corpo a ti, querida misteriosa que se perde na minha procura. Nos matizes, sou apenas uma sombra ou uma sobra encantoada na vereda que limita meus destinos. Eu não tenho as cores que me revelam; apenas um obscuro que se clareia quando minha retina passa pelas pinacotecas picotadas nos imensos dias que me testemunham.

Porém, há o que paira na emoção como um relâmpago ofuscante; e percorre a pele com a alucinação de toques ávidos. Inverte aquele ser sombrio dentro do avesso dos seus sentidos: torna-o melhor. Pincela de realidade o que apenas se deseja e atravessa com seus horizontes amplos as serras, florestas e quaisquer obstáculos que se avizinhem. Os passos caminham para uma imagem que lentamente se veste de um corpo nu; para uma frieza que vagarosamente é aquecida pelo abraço; para um quadro que te olha profundamente. Não há palavras ditas dentro dos sussurros porque a gramática está aquém do significado. E os relances dos olhares revelam em segundos, todas as páginas da vida e seus ditos inauditos. Talvez esquecidos dentro do conforto desta maturidade, ou talvez irreais pelos fatos costumeiros.  Teu sorriso vem, ora sem o quem numa imagem que me feitiça, ora com o quem na tez que me fascina. Sou então atraído para o abismo da paixão, mas no teu doce beijo alço voo para as amplidões da eternidade contida nos poucos, sempre poucos, momentos quando estou ao teu lado. Os pinceis nas tuas mãos impregnam de sentido as lágrimas derramadas pelo Van Gogh, e me completam ao trazer os sonhos para os meus dias. Teu sorriso vem para os meus olhos inundados pela compreensão da tua existência dentro da minha, depois de anos perpetuados na descrença de uma presença em que eu não precisasse profanar as ininterruptas frases de amor. Teu sorriso agora está em mim, em nós e em tudo o que admiro e guardo na minha lembrança.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Velhice

François-Auguste Biard - Magdalenefjorden - Museu do Louvre

Dentro deste quarto, décadas se concentram em torno de uma alma serena. Decerto há um vasto passado que ora pesa sobre estes ombros arqueados pela fadiga dos tempos pregressos, ilustrados em imagens talvez mais ilusórias do que factuais, porém postadas como reais naquela lembrança anciã. Embora vilipendiado pelos anos, seu olhar desenha na parede, nua de quadros, as encenações de uma vida absolutamente comum e trivial, apenas vivida. Marejado de saudades, os olhos pairam no empastelamento dos matizes e se lembram dos personagens sem as cores intensas, porque agora refletem que não há mais vigor nos braços e nos desejos, apenas vestígios parcos que se estendem no tempo como um autorretrato em preto e branco de si, prostrado em paisagens incertas daquele sonho vago que não se realizou. Antes dos idos, ele estava na beira de uma caminhada para um destino que agora chegou encarcerado num quarto ausente de pessoas, num coração apagado de paixões e numa morte enterrada logo mais no futuro.  O que ele poderia dizer para si? A mudez escarnece sua insignificância, o gosto amargo das frases devoradas pela falta de paixão. Há um sorriso leve, quase incerto, que pouco adorna a sisudez da expressão. Há um sorriso vindo daquele querer que maltratou os momentos oportunos com o egoísmo. De nada vale esta parede e estas memórias labirintiformes que não encontraram a saída para a felicidade e agora agonizam um já é tarde. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Sonhos Ingênuos

Museu do Louvre

Já houve um tempo de sonhos ingênuos, que coloriram a graça da vida por anos. Quando se é jovem, tudo é infindo e crendeiro. Tudo se fia na espera de um súbito gracioso que deveria se alinhar no destino. Entretanto, a marcha de acontecimentos é lenta e os passos em círculos, que se caminha pelos anos, cavam nossas trincheiras. Decerto, alguém poderia enxergar meu coração muito além do vazio da minha personalidade. Um alguém também perdido pela insistência penserosa de dias mais amenos, onde se poderia encontrar um refúgio para a esperança... Escapou-me um riso ao perceber o verbo esperar na esperança. Deveria existir uma palavra como “atenuança”, para reforçar o sentido de que se quer apenas atenuar a desesperança, talvez com uma dose de verve engolfada com urgência e pressa em frente à beleza de uma emoção, quiçá única dentro de uma vida. O que se ocorre é a contínua perda de momentos, despejados como óbitos despercebidos em passados esquecíveis da contemplação. Quantas vezes apreciamos um pôr do sol? Em quantas vezes havia alguém ao lado, calado de palavras e loquaz de paixões? Quantas vezes conversamos com a alma de alguém? Quantas vezes demos um abraço num desconhecido motivado apenas por um dizer ou fazer? Se a conta ultrapassa dos dedos da tua mão, és uma pessoa afortunada e a sua vida pode ser resumida e ampliada pelos fervores. Talvez a tenha deixado como herança para uma humanidade diligente e rara, o que planta e replanta sonhos ingênuos, mas agora factíveis.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

About Anchors and Wings - Sobre Âncoras e Asas

By Fluous - Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=25192888

There must be a time, even if pressed by the circumstances of the duties, where we will coexist with our shadow. That dark node that covers and suppresses desires for the blindness of who we are and want. This time lurks and insinuates certain darkness inside the soul. Obviously the existence of blackness characterizes some of the partitions of our personality and can overwhelm the viewpoint of self-observation, if there is weakness in intuition about who we are within our midst. Gregarious beings can only be understood by convoy, but absolute freedom is out of the herd. However, while the corral has its disadvantages, it limits our psychic efforts and provides some existential comfort, even if filled with dark stains. Beyond the fences is the impassive desert bordered on the unknown, this insubstantial and supposed backwater that extends beyond sight. Of course there are people born to move forward, as there are those born to stop. Both have their virtues and their vices. Both live between the intrinsic dissatisfaction of life and the momentary satisfaction of vague achievements. What sets them apart are the will-driven steps: one walks in circles, another walks along the edge of the abyss. One sleeps and dreams, other dreams sleepless. One has anchor, another has wings.

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Deverá haver um tempo, mesmo que premido pelas circunstâncias dos afazeres, onde coexistiremos com a nossa sombra. Aquele nódulo escuro que cobre e suprime desejos pela cegueira de quem somos e queremos. Este tempo espreita e insinua certa escuridão da alma. Obviamente a existência do negrume caracteriza algumas das partições da nossa personalidade e pode avassalar a ótica da observação própria se houver fragilidade na intuição acerca de quem somos dentro do nosso meio. Seres gregários só se entendem em comboio, porém, a liberdade absoluta está fora do rebanho. Entretanto, ao mesmo tempo em que o alfeire tem suas desvantagens, delimita nossos esforços psíquicos e proporciona certo conforto existencial, mesmo que recheado pelas nódoas escuras. Além das cercas está o impassível deserto fronteiriço do desconhecido, este insubstancial e suposto remanso que se estende além da vista. É claro que há pessoas que nasceram para avançar, como há aquelas que nasceram para parar. Ambas possuem suas virtudes e seus vícios. Ambas vivem entre a insatisfação intrínseca da vida e a satisfação momentânea de conquistas vagas. O que as diferencia são os passos dirigidos pela vontade: uma anda em círculos, outra caminha pela borda do abismo. Uma dorme e sonha, outra sonha insone. Uma tem âncora, outra tem asas. 

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Contradictions - Contradições



My life is old and this isolates my heart on an island, wrecked by circumstances or by path choices. My body is already torn by time: a pile of debris that moves ever slower, shrouded in the tomb of its very existence. Drowning in the shallow waters of the ephemeral, I try to emerge from unfulfilled dreams; they just passed through my nights as if ignoring me by indifference. Like that woman who lay in my bed and gave what she could give of her body and soul. She stayed no longer than necessary and soon left, even when she was still in bed naked, without her clothes and time. Everything in me has ceased in being, even this breathless lyricism that consumes the lines without capturing the woman that gone, beyond the one that wants to be in the future. The paths are on the obliquity of wanting, obstructed by reason or stolen in the shadows of emotion. The fact is that the horizon still persists in front of the distance and the legs stagger: who approaching is the sunset. I can no longer eclipse my contradictions with the personality because contestation plagues me, strikes me with its sharp sword, erode me with its acid speech, and leaves me on the curb of any street that passes through me.

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Minha vida está velha e isto isola meu coração numa ilha, náufrago das circunstâncias ou das escolhas dos caminhos. Já tenho o corpo carcomido pelo tempo: um monte de escombros que se move cada vez mais lento, envolto pela tumba da sua própria existência. Afogado pelas águas rasas do efêmero, eu tento emergir dos sonhos que não foram realizados, apenas passaram pelas minhas noites como quem me ignora pela indiferença. Como aquela mulher que se deitou na minha cama e deu o que podia dar do seu corpo e da sua alma. Não ficou mais do que o necessário e não tardou em partir, mesmo que ainda ficasse na cama desnuda pelas roupas e pelo tempo. Tudo em mim deixou de ser, mesmo este lirismo ofegante que consome as linhas sem capturar aquela que se foi, além daquela que quer estar no porvir. Os caminhos estão no soslaio do querer, obstruídos pela razão ou furtados nas sombras da emoção. O fato é que o horizonte ainda persiste diante do longe e as pernas cambaleiam: quem se aproxima é o ocaso. Não posso mais eclipsar minhas contradições com a personalidade porque a contestação me assola, fere-me com sua espada aguda, corrói-me com seu discurso ácido e abandona-me no meio-fio de qualquer rua que passe por mim.

terça-feira, 4 de junho de 2019

Beauty - Beleza

Imagem gerada pelo GPT-4o

What is beauty? I could relate beauty with aesthetics, but I would be limited by the simple lack of contemplation. Beauty may be the infinite gaze that explores the immensity with the wings of the heart. It doesn't stick to ridicule, to the uncontested censorship and to the looking of others. It investigates and advances in a kind of liking deified by soul. Beauty is like crying tears that testified some deep admiration; it is to water the ungodly being with liberating weeping, as mourners in front of the evil that is gone. Beauty is dreaming of skies and navigating the clouds that take us to the bodies that harmonize us and complete us. It is having the dimensions of height and suppressing the distances that bring your hand to my face. Beauty is to love! Even in the face of a vast desert, it is to feel your mirage in me, forever and ever, in that eternity summed up in a kiss.

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O que é a beleza? Poderia relacionar o belo com a estética, mas eu estaria limitado pela simples falta da contemplação. Beleza talvez seja o olhar infinito, que explora as imensidões com as asas do coração. Não se atém aos ridículos, a inconteste censura e aos olhares de outrem. Investiga e avança numa espécie de querença deificada pela alma. Beleza é chorar uma lágrima que testemunha a profunda admiração; é regar o infecundo ser pelo pranto libertador, como carpideiras do mal que se foi. Beleza é sonhar com céus e navegar nas nuvens que nos leva para junto dos corpos que nos harmonizam, nos completam. É ter as dimensões da altura e suprimir as distâncias que trazem tua mão para o meu rosto. Beleza é amar! Mesmo diante de um vasto deserto, é sentir a tua miragem em mim, diante de todo o sempre, naquela eternidade resumida num beijo.

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...