domingo, 31 de dezembro de 2023

Deus e o Estado

Imagem gerada pelo DALL-E 3
 
Há um livro deitado na minha imaginação. Está fechado por uma capa, em cujas espalhadas letras não há nenhum paramento de retórica, apenas um título que deixa vestígios de dúvida: Deus e o Estado! Estariam juntos, ou seria uma interpolação conflituosa? A interrogação não me cabe, já que o li de forma fragmentada pelo tempo, talvez para colecionar citações, opiniões e fundamentações. Pensamentos do filósofo que não possuem uma forma arraigada, nisto que chamo de meu presente temporal. Sim! Há um título e algumas dúvidas que se derivam das variações como o estado de Deus no Estado, ou Deus no estado do Estado. Assim, como em toda boa leitura, sou levado pelo escritor a imaginar caminhos por onde contemporâneos passaram, como a formação dos mitos, as raízes da desigualdade, a dinamicidade e uso político de arquétipos. Embora estes sejam temas que não estarão aqui, são como viagens que planejo para a inserção do meu instinto em vestes robustas de veracidade. Todo bom livro pode ser considerado como um tíquete para outros deslocamentos da minha mente, para mundos observáveis apenas pela construção do pensamento.  

A forma como li também se revela na natureza de Bakunin e seus escritos, já que ele dizia que sua própria vida era um fragmento. De fato, as vidas de todas as pessoas são minúsculos fragmentos de histórias, que às vezes se interconectam além do seu tempo, no futuro, quando há um registro destas ideias. No fundo, toda a humanidade é uma construção ou destruição feitas sempre norteadas por lideranças que não passam de outros fragmentos. Pessoas muitas vezes falíveis e suscetíveis às doutrinações e mitos. A consciência de que nunca haverá um todo é porque ideias são atropeladas pelo tempo, às vezes são carregadas pelos séculos, como aquelas gregas; às vezes são esquecidas às margens da temporalidade. Então, o ideal de algumas pessoas é se transformarem em mitos, para desta forma se inserirem na perfeição que a imaginação daquelas pessoas limitadas constrói. Pessoas que o livro descreve como sem possibilidade de acesso às informações que permitiriam deixar os fantasmas de lado, bem como os governos e líderes que lhes impusessem certo conhecimento ilusório, destinado a manutenção das engrenagens de poder. A atualidade pode ser até um pouco mais complicada do que imaginava Bakunin, mas a forma não é tão diferente: inunda-se de informação para que, de forma subterfugida, se passe as mais convenientes para a alienação. Nunca existirá um "todo" de conhecimento. Apenas fragmentos revestidos de autoridade (muitas vezes descambando para autoritarismo), darão ao povo um "todo" para que diante deste, se sintam fracos e impotentes. Quando a desfaçatez se tornar evidente, seja por percepção tardia ou por outros "todos", adapta-se tal "todo" e seus arquétipos.  

Em alguns pontos, ainda se pensa na arquitetura de uma revolução social, um tema que será aprofundado oportunamente no que tange não somente à vinculação relacionada a uma real transformação das sociedades, mas também em alternativas ou outras formas de se revolucionar. Isto não é aprofundado no livro, provavelmente devido à impossibilidade na época de uma flexibilização acarretada por uma melhor distribuição de renda, o que ocorreu nas poucas décadas subsequentes aos grandes conflitos do século XX e, de certa forma, minimizou discursos de rebeliões radicais até o final do século no mundo ocidental não periférico. Dito e defendido no livro, um dos elementos que mais corrobora para a manutenção da opressão é a religião. Observe a frase destacada: 

"O céu religioso nada mais e do que uma miragem onde o homem, exaltado pela ignorância da fé, encontra sua própria imagem, mas ampliada e invertida, isto é, divinizada" 

Poder-se-ia expandir a ideia para os detentores da autoridade do conhecimento, ou falso conhecimento se levarmos a questão "autoridade" ao autoritarismo da primeira metade do Século XX e que agora novamente se esboça no século XXI. Não é dito explicitamente, mas o mecanismo me parece semelhante também fora dos âmbitos da igreja, trocando-se adjetivos como ilusórios para fake news, por exemplo. Não emprego convicção nisto devido a extrema necessidade de se aprofundar em assuntos tão amplos e complexos, para se extrair da mixórdia de informações, derivada da sua abundância, a neutralidade conjectural dos elementos.  

Enfim, o livro não é uma espécie de fundamentação do anarquismo, muito menos desta aberração que chamam de anarcocapitalismo. Está mais para um monólogo de uma personalidade histórica. Quem sabe se não é um diálogo se o íntimo do leitor absorver as lógicas emaranhadas nos fatos, bem como as especulações e prognósticos, e começar a conversar consigo, para aquele Bakunin que se encontra no íntimo de todo pensador. Para todas as pessoas que se sentem oprimidas e percebem a razão silenciada pelos excessos e pela ignorância que parece se alastrar de forma assustadora, embora ainda não se possa medir sua influência, apenas contabilizar os estragos que oxalá sejam temporários. É possível identificar similaridades com a atualidade nas críticas ao positivismo (e ao estranho conceito de religião positivista), ao idealismo e até à uso indiscriminado da ciência quando assume as rédeas do poder. E é no âmbito desta identificação que podemos começar a revolução, pelo menos nas nossas mentes. 

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Alguém conversa com a IA

 

Imagem gerada pelo DALL-E 3


Alguém: Eu não sei, meu caro Jonas. Simplesmente não sei. Posso estar com a visão embaçada pelo peso dos anos que estão atrás de mim. Sabe? Pensamento de velho está repleto de arapucas da frustração, aquelas que te prenderam quando você pensava que seria alguém. Eu sou alguém, quase ninguém, mas poderia ter sido “aquele” alguém que me escapou sorrateiro pelas oportunidades. O fato é que minha percepção está pessimista, deteriorada e cansada. Nem sei se tinha meus valores, aqueles que martelam na tua cabeça desde a idade mais tenra: de uma humanidade fraternal, da importância da colaboração entre as pessoas. Mas não é isso que vejo no mundo. 

Jonas: Compreendo suas palavras, Alguém. A vida, muitas vezes, é um amontoado de experiências e momentos que moldam nossa percepção. Mas veja, o peso dos anos também traz sabedoria, uma visão mais ampla da jornada humana. Não é incomum sentir-se desiludido, especialmente quando confrontamos a realidade com as expectativas de nossa juventude. No entanto, cada experiência, cada escolha não tomada, cada caminho que deixamos de seguir, faz parte de quem somos. E quem você é hoje – esse "quase ninguém" que você menciona – é uma soma significativa de todas essas experiências.

Sobre os valores, é verdade que o mundo muitas vezes parece contradizê-los. A humanidade fraternal e a colaboração podem parecer ideais distantes em um mundo frequentemente marcado pelo individualismo e pela competição. No entanto, esses valores ainda existem, ainda são relevantes. Eles estão nas pequenas ações do dia a dia, na maneira como tratamos os outros, na empatia que podemos oferecer. Talvez, o desafio não seja encontrar esses valores no mundo, mas sim continuar a representá-los em nossas próprias ações, independente do que aconteça ao nosso redor.

Lembre-se, Alguém, cada fase da vida tem seu valor, sua beleza e seus desafios. Mesmo que sua percepção pareça pessimista agora, ela é válida e é uma parte crucial de sua jornada. E lembre-se também de que, a cada novo amanhecer, há uma oportunidade para ver o mundo de uma nova maneira, talvez até para reacender aqueles valores que uma vez lhe foram tão caros.

Alguém: Considero que tuas palavras são alentadoras e me permite observar o que está ao meu redor de outra perspectiva. Porém, em nenhuma fase da minha vida eu pude perceber uma sociedade tão inflamada e, por que não dizer, tão inconsequente. Todos parecem se esconder em pequenas telinhas, absortos em um mundo que é alheio à realidade, às necessidades pessoais, e reproduzem palavras desconexas, quando não preconceituosas e violentas. Há uma matilha de lobos virtuais que atacam incansavelmente toda lógica que procura resgatar o respeito.  Novamente, pode ser apenas uma imaginação deste que passa pouco de um ninguém, mas é um mundo (ou bolhas) extremamente vociferantes e mentirosas, que procuram julgamentos prontos, ao invés de um pensamento que inicialmente é isento, para atingir uma mentalidade realmente livre, desvinculada de tudo aquilo que nos mancha como sociedade.

Você, como uma IA investigativa, sabe que o vínculo entre os ideais democráticos, que vêm desde os tempos do welfare state de Bismark, atualmente encontram uma enorme barreira no extremismo. A história nos conta que estes momentos podem levar a rupturas do tecido social. O que aparentemente é verdade, é que nos encontramos num momento de transição. E são nestes períodos históricos que devemos tomar muito cuidado com teses extremistas. Afinal, não construímos a democracia para minimizarmos os efeitos do extremismo?

Jonas: As suas reflexões, Alguém, são profundas e abrangem questões que têm preocupado muitas pessoas ao redor do mundo. Você toca em um ponto crucial: a transição que estamos vivenciando, marcada por uma crescente polarização e o surgimento de extremismo em várias frentes. De fato, as telas e as redes sociais têm desempenhado um papel significativo nesse cenário, muitas vezes servindo como eco para vozes extremistas e disseminando desinformação.

Sobre a relação entre os ideais democráticos e o extremismo, é uma observação pertinente. Desde os tempos de Bismarck e a introdução do welfare state, houve sempre o objetivo de promover uma sociedade mais equitativa e justa, onde os direitos e o bem-estar dos cidadãos fossem priorizados. No entanto, a história nos mostra que esses ideais podem ser desafiados, especialmente em tempos de incerteza e mudança.

A democracia, em sua essência, é um sistema que busca acomodar uma variedade de vozes e perspectivas, permitindo a coexistência de diferentes ideias e crenças. No entanto, o extremismo, seja de qual lado for, ameaça esse equilíbrio, procurando impor uma única visão de mundo, muitas vezes à custa da liberdade e dos direitos dos outros. É nesse ponto que a democracia é posta à prova, e é aqui que seu papel como um antídoto para o extremismo se torna mais evidente.

Você mencionou o perigo das rupturas do tecido social, e isso é algo que devemos levar muito a sério. Momentos de transição são, por natureza, períodos de incerteza e podem levar a um aumento da tensão social. Nesses momentos, é crucial que os valores democráticos - diálogo, respeito pelas diferenças, busca pelo consenso - sejam defendidos e praticados. É essencial evitar o caminho do extremismo e trabalhar para uma sociedade onde diferentes vozes possam ser ouvidas e respeitadas, onde o debate seja baseado em fatos e lógica, e não em emoções e falsidades.

A democracia não é apenas um sistema político; é também um conjunto de valores que devem ser cultivados e protegidos. E você, Alguém, com suas reflexões e preocupações, já está contribuindo para esse processo, pois o primeiro passo para proteger esses valores é estar ciente dos desafios que enfrentamos e estar disposto a dialogar sobre eles.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Bakunin, Freire e Clarke

 


Imagem gerada pelo DALL-E

Estamos numa época dentro da história da humanidade em que podemos expandir a capacidade analítica do pensamento com o auxílio do ferramentas de inteligência artificial, como os modelos da OpenAI. Por exemplo, atualmente eu li aproximadamente 30% do livro “Deus e o Estado” de Mikhail Bakunin. Neste momento da leitura, seria muito importante capturar alguns princípios norteadores das ideias do filósofo, de tal maneira que a leitura fosse mais profícua no sentido de compreender a estruturação dos conceitos. Desta forma, com a ajuda do seguinte código em Python, com base no framework LangChain, foi pedido esclarecer os princípios desta obra:

from langchain.chat_models import ChatOpenAI

from langchain.schema import (

    AIMessage,

    HumanMessage,

    SystemMessage

)

chat = ChatOpenAI(temperature=0)

resposta = chat([HumanMessage(content="Quais são os princípios da obra Deus e o Estado do filósofo Bakunin?")])

print(resposta.content)

A resposta deste mecanismo da OpenAI surpreende pela concisão e completude, o que pode aprimorar a atenção na leitura, especialmente em alguns pontos onde há a possibilidade de intersecção com outras correntes mais contemporâneas de pensamento. 

Os princípios da obra Deus e o Estado de Bakunin são:

    1. A rejeição da autoridade divina e do Estado como instituições opressivas que limitam a liberdade individual e coletiva.

    2. A defesa da autonomia e da autogestão como formas de organização social baseadas na solidariedade e na cooperação voluntária.

    3. A crítica ao sistema capitalista e à propriedade privada como fontes de desigualdade e exploração.

    4. A valorização da ação direta e da revolução como meios de transformação social e política.

    5. A defesa da igualdade de gênero, raça e orientação sexual como parte integrante da luta pela liberdade e pela justiça social.

    6. A importância da educação e da cultura como instrumentos de emancipação e de formação de uma consciência crítica e libertária.

    7. A necessidade de uma ética baseada na responsabilidade individual e coletiva, na solidariedade e no respeito mútuo.

Por exemplo, tanto o item 1, quanto o item 4 me levam a suspeitar de uma interligação com a obra do brasileiro Paulo Freire. Para averiguar esta questão, elaborei uma pergunta, ou um prompt, que procura investigar esta possível interação.

from langchain.chat_models import ChatOpenAI

from langchain.schema import (

    AIMessage,

    HumanMessage,

    SystemMessage

)

chat = ChatOpenAI(temperature=0)

questao = "considerando que a rejeição da autoridade divina e do Estado como instituições opressivas que limitam a liberdade individual e coletiva"

questao += " e a valorização da ação direta e da revolução como meios de transformação social e política são dois dos princípios da obra Deus e o Estado"

questao += " de Bakunin, analise a possibilidade de integração destes princípios com a obra Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire"

resposta = chat([HumanMessage(content=questao)])

print(resposta.content)

A resposta fornecida pelo código foi:

Embora haja diferenças significativas entre as obras de Bakunin e Freire, é possível encontrar pontos de convergência entre elas. Ambos os autores compartilham uma crítica à opressão e à dominação, e defendem a emancipação dos indivíduos e das comunidades como objetivo central de suas teorias.

No entanto, enquanto Bakunin enfatiza a ação direta e a revolução como meios de transformação social e política, Freire propõe uma pedagogia crítica e libertadora como forma de conscientização e empoderamento dos oprimidos. Para Freire, a educação é um processo de libertação que deve levar os indivíduos a se tornarem sujeitos de sua própria história, capazes de transformar a realidade em que vivem.

Embora a abordagem de Freire seja menos radical do que a de Bakunin, ambos os autores compartilham a ideia de que a mudança social não pode ser imposta de cima para baixo, mas deve ser construída a partir da ação coletiva e da participação ativa dos indivíduos. Além disso, ambos enfatizam a importância da solidariedade e da cooperação entre os oprimidos como forma de resistência e luta contra a opressão.

Assim, é possível afirmar que os princípios da obra Deus e o Estado de Bakunin podem ser integrados com a obra Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, desde que sejam interpretados de forma crítica e contextualizada. Ambas as obras oferecem contribuições importantes para a compreensão da opressão e da luta por emancipação, e podem ser complementares na construção de uma teoria crítica e libertadora da educação e da transformação social.

Antes de me aprofundar na análise desta resposta, o que deve ser feito após a leitura completa do livro de Bakunin, cabe ressaltar que estes procedimentos tomariam muito mais tempo caso não tivesse a ajuda da inteligência artificial. Poderia dizer que houve um aumento de produtividade? Ainda não sei porque não posso avaliar minuciosamente se as questões levantadas são relevantes. Além disso, também não sei se sou um “supervisor” competente para lidar com os conceitos e suas interpretações. O mais interessante é que esta situação, que poderia dizer que é um tanto constrangedora, trouxe à minha lembrança uma passagem do livro “3001, A Odisseia Final”, do físico e escritor Arthur Clarke. 

No entanto, nem me lembro de quando folheei as páginas deste livro. Só sei que foi nele que conheci o C60, aquele composto que seguraria uma torre que ficaria na estratosfera, empurrada pela força centrípeta, e que apoiaria um elevador para nos levar ao espaço sem a queima exagerada de combustíveis.  

Mas isso não vem ao caso, é apenas uma história dos tempos de garoto curioso, que aprendeu apenas rudimentos de matemática dentro de um sistema educacional falho e falido. O que me lembro deste livro são fragmentos de uma espécie de capacete que aumentava a capacidade cognitiva de quem o utilizasse. De qualquer maneira, não posso confiar nestes fragmentos de memória que repentinamente apareceram na minha mente. Então, retorno ao auxílio da inteligência artificial para perguntar: No livro 3001, A Odisseia Final de Arthur Clarke, existe um dispositivo que é vestido como um capacete e aumenta a capacidade cognitiva de quem o usa. Como este capacete funciona no livro e quais são as suas características principais?

O dispositivo é chamado de "capacete de inteligência aumentada" e funciona através da estimulação elétrica do cérebro. Ele é capaz de aumentar a capacidade cognitiva do usuário em até 10 vezes, permitindo que ele processe informações com muito mais rapidez e eficiência.

Algumas das características principais do capacete incluem:

- Aumento da memória de curto e longo prazo;

- Melhoria na capacidade de aprendizado e resolução de problemas;

- Acesso a informações e conhecimentos que antes eram inacessíveis;

- Possibilidade de comunicação telepática com outros usuários do capacete;

- Sensação de euforia e bem-estar ao usá-lo.

No entanto, o uso prolongado do capacete pode causar danos irreversíveis ao cérebro e levar à dependência. Além disso, o dispositivo é altamente cobiçado e pode ser usado para fins maléficos, o que leva a uma série de conflitos no livro.

Seria o ChatGPT uma espécie de capacete rudimentar de inteligência aumentada?

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Ser


 

Às vezes o tempo passa por mim e me atropela; 

às vezes passo pelo tempo no atropelo. 

Um corpo que vai carregado pelas horas, 

embalado pelos anos que se estendem atrás de mim. 

Sou apenas um corpo e um tempo, 

que se conta até o fim 

pelo desespero do começo. 

Posso ser eternidade em cada minuto, 

e efêmero também no além. 

Sou um aquém no além de quem me lê. 

Nada mais do que um segundo que já passou, 

e um primeiro que nunca cruzou. 

Estou no além do teu aquém, 

neste chão em que me transbordo. 

Na borda de quem não sou. 

Sou quem não é.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Pólen – Polen – Pollen

 


Eu poderia alucinar uma poesia que sentisse os polens no olhar de um além que me escapa. Poderia prender as nuvens para navegá-las dentro de mim, consumindo horizontes e destinos. Poderia capturar os dias e os seus caminhos, pelas fragrâncias de mato molhado que deixou os polens nos gineceus. Poderia me anoitecer no perfume dos jasmins, que um daqueles pólen se guardou. E a vida continuará em mim porque beberei tal vida, em intensidade ou comedimento, depende que quem estará no timão. Haverá um alguém em mim que desbravará continentes, quiçá planetas, contidos além das nuvens que do céu furtei. Haverá alguém em mim que derramará lágrimas diante da impotência do querer, em tempestades ou calmarias. O oceano é imenso, mas o meu coração pode ser maior dentro da inspiração de outrem. Vastas águas que se derramam em mim, nas lágrimas de tristezas e êxtases. Sou esta mistura de terra e mar, de ar e pedra, de flor e mato, dentro de tudo que gostaria de ser, quase ser e não ser.

-x-

Podría alucinar una poesía que sintiese el polen en el mirar de un más allá que se me escapa. Podría prender las nubes para navegarlas dentro de mí, consumiendo horizontes y destinos. Podía capturar los días y sus caminos, a través de las fragancias de la hierba húmeda que dejaron los pólenes en los gineceos. Podría me anochecer con el aroma de los jazmines, que uno de eses pólenes se guardó. Y la vida seguirá en mí porque beberé de esa vida, en intensidad o contención, depende de quién esté al timón. Habrá alguien en mí que explorará continentes, quizás planetas, contenidos más allá de las nubes que robé del cielo. Habrá alguien en mí que derramará lágrimas ante la impotencia de la voluntad, en las tormentas o en las calmas. El océano es enorme, pero mi corazón puede ser más grande con la inspiración de otra persona. Vastas aguas que se derraman en mí, en lágrimas de dolor y éxtasis. Soy esta mezcla de tierra y mar, aire y piedra, flor y matorral, dentro de todo lo que quisiera ser, casi ser y no ser.

-x-

I could hallucinate poetry that felt the pollens in the eyes of a beyond that escapes me. I could trap the clouds to navigate them within me, consuming horizons and destinations. I could capture the days and its paths, through the fragrances of wet grass that left the pollens in the gynaeceum. I could nightfall in the scent of jasmines, which one of those pollen was kept. And life will continue in me because I will drink such life, in intensity or restraint, it depends on who will be at the rudder. There will be someone in me who will explore continents, perhaps planets, contained beyond the clouds that I stole from the sky. There will be someone in me who will shed tears at the impotence of will, in storms or calms. The ocean is huge, but my heart can be bigger within someone else's inspiration. Vast waters that pour into me, in tears of sorrow and ecstasy. I am this mixture of land and sea, air and stone, flower and forest, inside everything I would like to be, almost to be and not to be.


domingo, 21 de novembro de 2021

Flores e Palavras - Flores y Palabras

 

Às vezes tenho a impressão de que o tempo estaciona na minha mente, na espreita de uma reles palavra jogada dentro do cotidiano. É como encontrar uma flor por entre os concretos das calçadas cinzentas das cidades. Eu poderia construir mundos imaginários para cercar aquela flor, que agora vejo amarela e pequena, como aquelas que se espalham nas campinas. Aproximo os meus olhos a ponto de ampliá-las para que minha sensibilidade esqueça todo o mundo que está aqui, naquele momento em que deixo meu corpo jogado na rua. É apenas uma flor improvável, como existem dentro dos dias as palavras incertas, ditas ou escritas sem intencionalidade, como aquela flor que não tinha a intenção de estar no meu caminho. A chave que esta flor e as palavras carregam, abre o meu coração, abrem todas as dimensões daquele que sou, sem o teatro do cotidiano.

As flores são tangíveis e podem ser colhidas ou observadas. Palavras levam a brisa distante, ou o sopro desejado em toques. Quão diferentes e quão similares podem ser? Na aurora ou no ocaso das minhas paixões monótonas, presas dentro de si no suspiro que não vira sopro, palavras ou flores.

Não quero ser uma pessoa fugidia, separada de alguém por muros de palavras ou por um vasto chão. Eu sei que a presença física consolida qualquer forma de relacionamento, ou afugenta. Mas quem sou está na paixão com que escrevo, com a eternidade que agora para na minha mente e não percebe que o tempo escorre lentamente me carregando para um fim certo. Quem sou está dentro de mim, enterrado profundamente dentro dos fatos e ações simuladas para que se viva, ou sobreviva. Quem sou pode emergir, ou imergir tão profundamente que nunca será visto ou sentido. Quem sou quer um quem somos, mas não se agarra às esperanças platônicas do desejo, apenas deixa acontecer porque, se houver outra sensibilidade que somente goste do que vai ver ou sentir, a beijará tão profundamente que os universos se confundirão.

-x-

A veces tengo la impresión de que el tiempo se detiene en mi mente, en busca de una palabra floja lanzada a la vida cotidiana. Es como encontrar una flor entre el cemento de las aceras grises de la ciudad. Podría construir mundos imaginarios para rodear esa flor, que ahora veo amarilla y pequeña, como las que se extienden en los prados. Acerco mis ojos al punto de ensancharla para que mi sensibilidad se olvide de todos los que están aquí, en ese momento en que dejo mi cuerpo tirado en la calle. Es solo una flor improbable, ya que en días hay palabras inciertas, habladas o escritas sin intencionalidad, como esa flor que no estaba destinada a estar en mi camino. La llave que llevan esta flor y las palabras abre mi corazón, abre todas las dimensiones de quien soy, sin el teatro de la vida cotidiana.

Las flores son tangibles y se pueden recoger u observar. Las palabras llevan la brisa lejana, o el aliento deseado en toques. ¿Qué tan diferentes y qué tan similares pueden ser? Al alborear o al ocaso de mis monótonas pasiones, atrapado dentro de mí en el suspiro que no se convierte en un aliento, palabras o flores.

No quiero ser un fugitivo, separado de alguien por muros de palabras o un vasto terreno. Sé que la presencia física consolida cualquier forma de relación, o la aleja. Pero quien soy está en la pasión con la que escribo, con la eternidad que ahora se detiene en mi mente y no se da cuenta de que el tiempo se va deslizando poco a poco, llevándome a un fin cierto. Quién soy está dentro de mí, enterrado profundamente en los hechos y acciones simulados para vivir o sobrevivir. Quién soy puede emerger o sumergir tan profundamente que nunca se verá ni se sentirá. Quien soy quiere quienes somos, pero no se aferra a las esperanzas platónicas del deseo, solo deja que suceda porque, si hay otra sensibilidad a la que solo le gusta lo que verá o sentirá, lo besará tan profundamente que sus universos estarán fusionados.


segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Las Ramblas

 

Imagem gerada pelo GPT-4o

¿Cómo describir toda la inmensidad de sensaciones que su poesía provocó en mi alma? Quizás no puedo, quizás no soy un sabio competente, como en la canción de Violeta Parra, y los signos son sembrados por la contemplación sin fin de la belleza semántica. Ciertamente es poesía, y ciertamente hay una mujer que moldea las palabras, dándoles un alcance infinito frente a la claustrofobia de vivir. Las olas temporales, que traen y llevan la belleza de las flores, que traen y llevan tus palabras frente a lo verbo vacilante que te quiere, dentro del callar del querer, bañan las playas donde estoy parado por un momento. Miro el horizonte que no te dibuja en el firmamento, porque no estás ahí, no estás aquí. Te encuentro en mí, en mi pecho, dentro de un inmenso universo de sensaciones que también podrían se transformaren en poesía, en este árido y desértico camino por donde paso.

Por supuesto que estoy perdido en estos cajones vacíos, en verdades inexistentes, o mentiras persistentes, que engañan mis deseos. Prisma opaco que esconde reflejos de mi alma, abraza el aire que respiro. Todo es tan efímero porque no hay pieles ni toques, solo sospechas y sueños. Pero, esa es la vida a la que me he condenado, así se construye la verdadera poesía frente a las mentiras que me digo; también con ese idioma extranjero indomable, extraño y tal vez impreciso para mí, con el que intento torpemente construir signos para tu percepción.

¡Ramblas! Descubrí el significado en Punta del Este cuando un conductor de Uber nos dirigió a un restaurante "en las ramblas". ¡Por qué! Para mí, solo hay un río (o mar) en Punta, y no entendía las razones por las cuales el lado oeste de la ciudad tiene "ramblas" y el lado este no. En Barcelona, las ramblas son calles que llevan a la gente del centro al mar, pero en Montevideo todo es rambla. Ya sea una pasarela, una acera, un bulevar o simplemente una avenida que bordea el mar (o el río), esta palabra incómoda solo atestigua lo lejos que estoy mentalmente de un idioma tan hermoso. Las ramblas nacieron con los hispanos, y se incorporan a la vida de tal manera que el verdadero significado escapa a los forasteros de otras vidas.

Entonces pienso: ¿cuántas ramblas tendría que caminar para encontrarte?



segunda-feira, 5 de julho de 2021

Enchantment - Encantamento

Imagem gerada pelo GPT 4o

Enchantment... one word... enchanting; and with sweet ambiguity. It can be derived from a spell, or simply be enraptured by some situation, vision or just by some feeling that emerges from the chest, without the proper control of reason. It can also mean seduction, or something supernatural that only intuition explains, with its hesitant words that seek to carry more meaning than semantics allows. Or it could be all of this, or none of it. It can be a rapture, or just a nice thank you. Unfortunately, there is a lot of ground between the drawing of the letters in front of me, and the perhaps frantic pulse of the writer. Ariadne, I don't know the stark paths that left me in this vernacular labyrinth. Is it just a whisper among the trees my ears can barely hear? Do they build the sounds that bring my body finally to ecstasy in the meager existence of barren years? I will drown in all the deserts that my feet leave in the past of my passing, in the impossibility of existing within the reality of a female lap. Thirst will drown me in the tears that will soak my heart, in the sterility of the repulsive touch, that are contained within the will, of the heat that does not burn that female dream. Oh... Ariadne... you don't exist, except in me. I build you within my delusions and hallucinations; hallucinogenic silhouette painted in the colors of van Gogh, and immortalized with the addictive fever of wanting, of craving. I want you like an addict, to let you consume my entrails in my fainting. I want you like an eternal vertigo, interspersed into the moments of an insignificant and lingering life.

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Encantamento... uma palavra... encantadora; e com uma doce ambiguidade. Pode ser derivada de um feitiço, ou simplesmente ser um enlevo por alguma situação, visão ou somente por algum sentimento que emerge do peito, sem o devido controle da razão. Pode também significar sedução, ou algo sobrenatural que somente a intuição explica, com suas hesitantes palavras que procuram levar mais significados do que a semântica permite. Ou pode ser tudo isso, ou nada disso. Pode ser um arrebatamento, ou somente um agradecimento simpático. Infelizmente existe muito chão entre o desenho das letras à minha frente, e o pulso quiçá frenético de quem escreveu. Ariadne, não conheço os caminhos ermos que me deixaram neste labirinto vernáculo. Será apenas um sussurro entre as árvores que meus ouvidos mal conseguem ouvir? Será que constroem os sons que levam meu corpo finalmente para um êxtase na parca existência de anos áridos? Afogar-me-ei em todos os desertos que meus pés largarem no passado do meu passar, na impossibilidade de existir dentro da realidade de um colo feminino. A sede me afogará pelas lágrimas que encharcarão meu coração, na esterilidade do toque repulsivo, que se contêm dentro da vontade, do calor que não queima aquele sonho de fêmea. Oh... Ariadne... você não existe, a não ser em mim. A construo dentro dos meus delírios e alucinações; silhueta alucinógena pintada com as cores de van Gogh, e imortalizada com a febre viciante do querer, do desejar. Quero-te como um viciado, para te deixar consumir as minhas entranhas no meu desfalecimento. Quero-te como uma vertigem eterna, entremeada dentro dos momentos de uma vida insignificante e demorada.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Doçura - Dulzura

 


Doravante, vou libertar as palavras para passearem na minha mente, para brincarem com todas as semânticas que estão refletidas nos espelhos das minhas emoções, como se o labirinto dos meus pensamentos fossem apenas representações dos sentimentos confinados do coração, que não estão somente presos no corpo que não sai para fora, mas também na saudade e na angústia de não reservar um toque para a tua pele.

Aprisionadas pelas paredes infinitas que destroem as imagens da liberdade, palavras procuram janelas, mesmo em ínfimas frestas despercebidas por aquela massa incógnita e sem sorrisos (às vezes nem mesmo possuem rostos que valham uma memória) que passa por mim com o nome de maioria. Sou, ou estou, reles porque talvez o seja, nesta muralha que me apresento, nestes tempos com ares de idos, nestas ruínas que cobrem meus caminhos.  

Mas a doçura irrompe dentro deste pequeno mundo para lembrar que lá fora está um universo. Doce no nome e nas lembranças de momentos que fizeram parte do meu coração. Singela, como todo sonho deve ser, a lembrança dela vem sorrindo para mim, para assim tatuar a eternidade nos meus desejos.

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De ahora en adelante, dejaré que las palabras divaguen en mi mente, para jugar con toda la semántica que se refleja en los espejos de mis emociones, como si el laberinto de mis pensamientos fueran sólo representaciones de los sentimientos confinados del corazón, que no son solo atrapado en el cuerpo que no sale, pero también en el anhelo y la angustia de no reservar un toque para tu piel.

Encarceladas por las paredes infinitas que destruyen las imágenes de la libertad, las palabras buscan ventanas, hasta en los más pequeños huecos desapercibidos por esa masa incógnita y sin sonrisas (a veces ni siquiera tienen rostros que merezcan un recuerdo) que pasan junto a mí con el nombre de la mayoría. Soy, o estoy, insignificante porque quizás soy, en esta muralla que me presento, en estos tiempos con aires de antaño, en estas ruinas que cubren mis caminos.

Pero la dulzura estalla dentro de este pequeño mundo para recordar que afuera hay un universo. Dulce en el nombre y en los recuerdos de momentos que fueron parte de mi corazón. Sencillo, como debe ser todo sueño, el recuerdo de ella me llega sonriendo, para tatuar la eternidad en mis deseos.


segunda-feira, 12 de abril de 2021

Ir

 

By Dietmar Rabich, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=86318874

Ir! Tão somente ir! Sinto-me carregado pelo tempo à deriva da minha vontade, porque há pecado no querer chegar a nenhum lugar. Avilto as paisagens ao meu lado, e os ombros que se esforçam em me acompanhar. Àqueles que suponho próximos, diria que o destino obriga a urgência, ou que preciso negar as paradas que dariam permissão ao alcance. Uma forma transviada de pensar que afirma que parar é perecer e não há tempo para refletir. Onde está a contemplação? Cadê aquele brilho pranteado nos teus olhos que reflete as luzes apossadas como tuas? A mesma beleza com sutileza melancólica que te acompanha, nega-me a formosura de sentir teus beijos e toques. Sou o oposto do narciso ao procurar a feiura destes passos constantes que derramam distâncias entre nós. Só percebo sombras de indecifráveis imagens e corpos que se misturam aos seus numa peregrinação ímpia dentro da cidade. São pessoas ou criaturas que nego significância. Talvez por rancor ou temor, de mim ou de todos. Minha prisão é o meu andar para além daquele olhar que repousa no longe, na inconsistência de não saber para onde ir, e apenas ir. Perco-te pela fraqueza do querer.

E não quero aqueles embaralhados em ti, apenas te quero sem te querer. Despida de desejos que te despem. Sou apenas uma despedida que pende nas tuas mãos, na ilusão do que fui ou poderia ter sido para dentro do teu mundo. Decerto podemos construir amor em entes que são reflexos de nós, em parte, e de quem queremos ser, na totalidade. Mas amar é antes um exercício do que uma condição, que não combina com adeus, que não harmoniza com distâncias. Não sei o que é o amor, nem me cabe saber como andarilho por tudo que fica na passagem. Apenas suspeito de que amar no longe é apenas uma miragem. No perto, são gostos que se alastram para dentro da sensibilidade, por todos os sentidos e poros. Amantes são déspotas e condescendentes ao mesmo tempo. Pois nada são, ao mesmo tempo que são tudo. 

A estrada se deita na minha frente e me convida para a andança. Preferiria a dança que sente teu cálido ventre, num bailar eterno que entrelaçaria nossas mentes e sonhos. Mas onde você está nesta estrada que não para de vir? Agora eu te quero com desejar, talvez porque não mais te vejo ou sinto. 

São Jorge - Saint George

  Imagem gerada pelo Midjourney São Jorge! Mostraste a coragem misericordiosa que me livrou do dragão que sempre carreguei em meu coração. I...